Diretora do filme documentário 5 Mulheres de Paraisópolis fala sobre a presença da mulher na favela

Como as mulheres se tornaram as protagonisas de 5 Mulheres de Paraisópolis?

O documentário teve como ponto de partida a pesquisa realizada pelos antropólogos Ronaldo de Almeida e Tiaraju D'Andrea (CEM / Cebrap) em Paraisópolis. Desde o começo, embora este aspecto não fosse tematizado detidamente na pesquisa, os dois demonstraram interesse em ver privilegiada, no documentário, uma perspectiva feminina de Paraisópolis hoje. Assim, a pesquisa de personagens para o documentário acabou por estabelecer os contatos iniciais com as "matriarcas" de famílias residentes há muito tempo no lugar. No início, pensávamos em focalizar uma família extensa de migrantes pernambucanos, conterrâneos de uma cidade muito bem representada na favela. O contato com as mulheres pareceu um bom caminho: através delas, conhecemos a história de migração das famílias e fomos apresentados ao cotidiano dos mais jovens. Com elas estabelecemos os laços mais fortes, desde o começo, de modo que se tornou quase "natural" tê-las, enfim, como protagonistas do filme.

Como essa opção reflete o papel das mulheres na favela?

As mulheres têm, segundo me parece, papel fundamental no cotidiano da favela hoje. Em casa, com grande frequência, são chefes da família, garantindo o sustento dos filhos, muitas vezes dos netos, e a manutenção da estrutura doméstica. No espaço público, têm participação decisiva nas igrejas e associações que ajudam a compor as redes de sociabilidade e ajuda mútua em Paraisópolis.

Existe uma consciência de luta pelos direitos das mulheres?

De um modo geral, até onde pude perceber, este papel é desempenhado com a dignidade de quem precisa desempenhá-lo, sem alarde, sem excessiva retórica. Claro: elas sabem que delas dependem filhos, netos e às vezes conterrâneos e agregados, o que não diminui a concretude de sua batalha diária, imperativa. Nalguns casos, a organização e o trabalho no espaço doméstico convergem para a participação pública, para a busca por melhores condições de vida para todos que vivem naquele espaço.

Além de 5 Mulheres de Paraisópolis, o protagonismo feminino é tema de outros trabalhos seus?

Estou realizando, com uma amiga e parceira (Junia Torres), um documentário sobre Dona Mariquinha, uma das pioneiras na ocupação do Aglomerado da Serra, uma das maiores favelas de Belo Horizonte. A história familiar e de luta de Dona Mariquinha resume, com rara riqueza, a trajetória de muitas mulheres migrantes que chegaram em Belo Horizonte, em meados dos anos 60, vindas de espaços rurais no interior de Minas, em busca de condições melhores para si e para seus filhos. Elas ajudaram a construir a cidade, "trabalharam por nós", trouxeram suas tradições e modos de vida para interagir com um espaço urbano em intensa transformação.

A visão feminina influencia seu trabalho de cineasta?

Acho que sim. De modo muito simples, me identifico com o "objeto" de 5 Mulheres de Paraisópolis, guardadas as distâncias e diferenças de classe: sou também mulher e migrante, e quando fizemos o filme, em 2004, tentava encontrar meu espaço e minha "maneira" de viver na cidade São Paulo. Fazer um filme baseado na conversa, na busca de empatia e proximidade com elas, um filme regado a "cafezinho", digamos assim, foi também uma forma de trocar experiências, de saber como elas "inventam seu cotidiano" nesta cidade que, a princípio tão inóspita, vai pouco a pouco se tornando familiar, se tornando "delas" também.

Como você se envolveu com o cinema de divulgação científica? Como você alia a pesquisa e a produção de filmes documentários?

Interessei-me pela linguagem do documentário a partir de 1992, quando realizei um vídeo como projeto de conclusão do curso em Jornalismo na UFMG (Terra da Lua, com Anna Karina Bartolomeu e Tania Caliari, documentário sobre duas famílias moradoras da zona rural de Araponga, zona da mata mineira). Com os amigos e parceiros do forumdoc.bh (Festival do Filme Documentário e Etnográfico de BH, realizado desde 1997), desenvolvi o gosto pelos filmes que aliam a pesquisa formal à busca pelo conhecimento rigoroso e dedicado de outros povos, pessoas, culturas, saberes, modos de vida. Acabei realizando mestrado e doutorado no campo do cinema documentário, e através do CEM pude experimentar o exercício da realização em interlocução com pesquisas desenvolvidas no campo das ciências sociais, o que coloca uma série de desafios novos.

diverCIDADE - Revista Eletrônica do Centro de Estudos da Metrópole