MULHERES TRABALHADORAS DE ONTEM E DE HOJE, UNI-VOS?

O feminismo tem uma representação de anti-machismo em nosso imaginário cotidiano. Porém, quando pensado na esfera do trabalho de hoje, sua história mostra que o que antes era ligado à luta de classes, transforma-se em uma discussão acerca do caminho de luta.

Rafael Duarte Oliveira Venancio


Operários" (1933), de Tarsila do Amaral
Quando Karl Marx e Friedrich Engels escreveram, em 1848, “proletários de todos os países, uni-vos”, não havia movimentos focados na defesa das mulheres, dos negros e dos gays como nos dias atuais. Esse chamado, além de ser uma palavra de ordem, tinha um por quê claro. Esse motivo estava ligado à teoria de que a luta era de classes, ou seja, os trabalhadores pobres deveriam ser unir para conquistar, no mínimo, os seus direitos perante os seus patrões.

Entretanto, como se deu essa virada? Como encontramos, hoje em dia, movimentos e pensadores feministas em profusão? Antes de explicar tal virada, é necessário pensar os antecedentes do movimento feminista, ou seja, quando estes ainda estão ligados aos movimentos proletários.

Junto com a teoria de luta de classes, surge o processo de industrialização e os contratos individualizados para substituir o predomínio do trabalho rural e do contrato familiar. Entretanto, com esse ganho surgem também as desvantagens. No caso das mulheres, elas parecem duplicar porque, além da discussão acerca de salários e horas trabalhadas, têm de lidar com o assédio sexual proveniente de superiores e colegas e com o preconceito.

É nesse contexto que surgem, já nos primeiros anos do século XX, os movimentos feministas relacionados ao trabalho. Mesmo tendo o foco na mulher, eles são diferentes das feministas ditas “burguesas” que tratavam mais da questão moral da emancipação da mulher. Ligadas ao anarco-sindicalismo ou ao operariado socialista e comunista, essas representantes lutavam pelos direitos femininos principalmente na esfera do trabalho e da participação política.

Seus manifestos apontavam, segundo Margareth Rago, professora do departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e autora de diversos trabalhos sobre o assunto como Trabalho feminino e sexualidade, “os problemas enfrentados pelas trabalhadoras na produção e na vida social, as péssimas condições de trabalho de higiene nas fábricas ou habitações coletivas e a inexistência de direitos sociais e políticos para as mulheres”.

Apesar desse enfoque, tanto as feministas socialistas e comunistas quanto as anarquistas “consideravam a questão feminina secundária em relação ao conflito entre as classes sociais, cuja resolução, conseqüentemente, acabaria com o problema da opressão sexual”, lembra Rago. Só que, mesmo com essa visão mais ampla, elas nunca esqueceram de colocar a discriminação sexual no debate do dia-a-dia.


Sai classe social, entra grupo social

No entanto, atualmente, se queremos pensar a luta das mulheres trabalhadoras e chefes de família, a chave de leitura do feminismo deverá ser outra. Essa é a visão que as teóricas feministas críticas, uma das linhas do movimento hoje, possuem. Tal conclusão, em parte graças à afiliação à Teoria Crítica marxista, está baseada na leitura dos movimentos sociais dos anos 80 feita por Claus Offe no seu livro Capitalismo desorganizado.

Tal interpretação, como lembra Raphael Cezar da Silva Neves, tira o trabalho como o centro de organização dos movimentos. Com isso, é necessário “tentar encontrar os traços comuns que pudessem caracterizar a nova dinâmica social e os conflitos contemporâneos”. Desse modo, a luta começa a ser pensada não mais na dicotomia proletários/burgueses, mas nas questões de raça, gênero, nacionalidade etc..

Neves, autor da dissertação de mestrado Reconhecimento, multiculturalismo e direitos sobre esse debate feminista crítico, é pesquisador do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e, assim como Felipe Gonçalves Silva, pesquisa no núcleo as contribuições dessa linha para o movimento maior da Teoria Crítica, conhecida pelos trabalhos de Habermas, Horkheimer, Adorno e Marcuse.

Porém, como as pesquisas dos dois cientistas indicam, há diferenças entre as principais figuras do movimento que podemos chamar de Feminismo Crítico. As posições de Iris Marion Young, Nancy Fraser e Seyla Benhabib divergem, principalmente, no caminho da luta do feminismo.

Para Young, a aposta é que um caminho baseado em “uma politização das diferenças, já presentes na vida social, possa trazer os ganhos emancipatórios que esses movimentos tanto buscam”, afirma Neves, deixando claro que tal conduta feminista pode ser usada por outrem. A luta, portanto, consistiria em afirmar as diferenças e experiências, seja de opressão ou não, algo muito próximo da concepção tradicional do já citado feminismo “burguês”.

Entretanto, para Fraser, tal forma de luta afirmativa só aumentaria o fosso de opressão e exclusão na sociedade. O segredo seria não ficar apenas no reconhecimento, como diz Young, mas atuar tanto nele como na redistribuição. Exemplificando, não bastaria apenas reconhecer a mulher chefe de família como tal e tirar tal posição como única e exclusiva de um homem. Teria que fazer isso e dar salários nos patamares masculinos.

Benhabib segue uma linha similar. “Sua intenção, como a de Fraser, é tentar integrar de algum modo redistribuição e reconhecimento”, diz Neves. A divergência entre elas está centrada nas soluções propostas por Fraser que, no seu livro Justice Interruptus, propõe um neo-socialismo para questão da redistribuição e uma desconstrução das polarizações sociais para o reconhecimento.
Isso, segundo Benhabib, seria determinar o quê cada movimento social deveria fazer e isso uniformalizaria até mesmo as diferenças dentro do feminismo, já que as lutas da mulheres é diferente em cada região ou contexto. A proposta dela é pensar em torno de um multiculturalismo, onde cada luta proporcionaria um ganho no todo.

O percurso aqui mostrado, algo próximo de 100 anos retratados, mostra não apenas o protocolo da ação de uma determinada organização. Retrata o feminismo como uma forma de suporte e representatividade das mulheres que acompanha a história. Se antes, o problema da mulher estava no cotidiano das fábricas, eram nelas que estavam agindo as feministas.

Agora, temos uma sociedade que certas diferenças ainda se mantêm como os baixos salários para as mulheres e o risco de se ter uma feminização da pobreza. Temos mulheres atuando no mundo do trabalho de diversas formas, seja como principal mantenedora de sua família ou não. Com isso, o feminismo deve pensar o hoje e propor um novo caminho para a conquista de novos direitos. Nisso consiste a busca do debate feminista crítico.

diverCIDADE - Revista Eletrônica do Centro de Estudos da Metrópole