Vídeo-Reportagem

VILA GILDA QUER PRESERVAR REPRESA, PORÉM FALTA ESGOTO E ASFALTO
Moradores da Vila Gilda não são contrários à Lei Específica da Guarapiranga. A principal luta deles é pelo asfalto que completaria o saneamento básico e evitaria, junto com o encanamento, que o esgoto doméstico contaminasse a represa.
Rafael Duarte Oliveira Venancio e Francisco Toledo

Em muitas situações, um certo pensamento lógico pode ficar subentendido. No caso da Vila Gilda, por exemplo, a associação normal seria: 1) A Lei Específica da Bacia do Guarapiranga (Lei nº 12.233 de 16/01/2006) retira as pessoas da beira da represa; 2) A Vila Gilda está localizada na beira da Guarapiranga; logo, 3) A população do bairro é contra a Lei.

No entanto, não é esse o discurso na Vila Gilda. “Somos a favor da Lei Específica do Guarapiranga, pois, além de cuidar do meio ambiente, é a oportunidade dos moradores conseguirem legalizar suas casas e conseguirem acesso ao saneamento básico”, afirma Ailton Alves da Silva, membro da Diretoria do Instituto de Cidadania Padre Josino Tavares e militante do Fórum em Defesa da Vida - Jd. Ângela (fórum que reúne diversos movimentos sociais que atuam na região).

Ele, junto com outras lideranças sociais da região, José “Juca” Álvares do Amaral (Fórum em Defesa da Vida - Jd. Ângela) e João Teodoro da Silva (presidente da Associação de Moradores Bela Gilda da Vila Gilda), participou da Comissão, formada por representantes governamentais e sociais, que deu origem à lei. “Nossa única divergência foi acerca do ponto da legalização dos imóveis, pois não dava para manter a antiga lei do deputado Tripoli que instituía a doação de um outro imóvel para legalizar o seu”, relataram.
A Vila Gilda está, quanto à remoção prevista na lei, em uma situação limítrofe A lei, segundo material do site da Secretaria do Meio Ambiente, implicaria na “remoção das habitações que ocupam áreas de preservação, entre 30 e 50 metros da margem dos cursos d’água ou estão localizadas em terrenos com grande declividade”.

Poucas casas do bairro estão na faixa de preservação, porém o terreno está em uma ladeira que tem direção certa: a represa. Tanto que, na Vila Gilda, o principal problema é o esgoto que corre a céu aberto. Em todas as ruas, um fio de água (muitas vezes com uma coloração leitosa e com forte mal-cheiro) acompanha o pedestre.

Esse esgoto escorre até chegar na beira da represa, onde se mistura com as “minas” de água pura que a abastecem. Por isso, a imagem estereotipada de um cano de esgoto desembocando na Guarapiranga não existe. Exceto a presença de um cano que desemboca em um afluente a uns 400 metros da represa, a poluição é silenciosa e sem imagem.

Mas, qual seria a principal reivindicação do bairro? A resposta vem junto com a ironia fina de João do Amaral, o “Amaral”, morador da região: “Olha só o nosso novo asfalto!”. Os desavisados iriam se assustar, pois não há nada além de ruas cobertas de terra batida com pedaços de entulho. Quando mais, o 'asfalto' da Vila Gilda consiste na reutilização da borra que sobra da asfaltagem das ruas centrais de SP.

O asfalto, derivado daquele que é considerado o vilão da questão ambiental, teria uma importante função na preservação da represa. Proporcionaria a existência de sarjetas onde a água da chuva, em vez de carregar a sujeira em enxurrada para represa, cairia na rede de esgoto planejada pela Sabesp.
A rede de esgoto é um projeto ainda em andamento. Já faz dois meses que a Sabesp instalou os subterminais nas ruas do bairro, no entanto, nem o encanamento já instalado, muito menos a estação elevatória (que bombearia o esgoto da represa para o duto que está localizado na Marginal Pinheiros) estão funcionando.

“Falta tubular os troncos de esgoto, mas isso [Sabesp] alega que é função do Governo do Estado, da Secretaria de Recursos Hídricos e a gente vai ficando nesse vai e vem pra saber de qual secretaria é a responsabilidade”, afirma Ailton. Ou seja, os moradores ficam no meio de confusões burocráticas. Além da Sabesp e de alguns problemas menores com a Eletropaulo, o problema principal é com a prefeitura e a sub-prefeitura do M’Boi Mirim. “Se discute e discute sobre o asfalto. Chegam a fazer promessas e colocar faixas, mas até agora não temos asfalto”, desabafa “Amaral”.

Alguns moradores têm problemas com a prefeitura acerca do status legal do terreno. Todos pagam IPTU, entretanto, para alguns setores municipais, o bairro não existe no papel. Já nas plantas que possuem a Vila Gilda, as ruas foram nomeadas sem conhecimento dos moradores. Assim, figuram nomes que são motivo de piada nas placas de rua com a inscrição de preservação ambiental.

Sobre os problemas ambientais, há discussões que permanecem sem resposta. Segundo João Teodoro, um dos afluentes que abastece a Guarapiranga teve seu curso modificado pelos donos do terreno. “Além de mudarem o curso, muitas das minas d’água foram soterradas por milhares de caminhões de entulho vindos de todas as regiões da cidade”, completa o morador.

Problemas sanitários superam a barreira do óbvio. Além do esgoto a céu aberto, a escola municipal do bairro, além de estar com sua estrutura física decadente, teve os ralos roubados e a água empoçada vira canteiro de larvas e fonte de leptospirose na época de chuvas.

A repercussão do bairro na mídia é motivo de desavença. Alvo da reportagem de Sérgio Duran, da Agência Estado, os moradores desaprovaram tanto as denúncias da presença do PCC no bairro quanto a própria apuração do repórter. “Ele chegou a me telefonar para me entrevistar, mas estava em Franco da Rocha e não pude atender” – lembra João, a única das três lideranças citadas que mora no bairro e recebeu reclamação direta dos moradores.

Outra crítica à imprensa, junto com a questão governamental, está na “falta de campanhas de conscientização nos veículos de comunicação, muito menos campanhas informativas de iniciativa do Estado que façam uso desses veículos”, lembra Ailton. Ele, ao explicar seu trabalho na conscientização dos jovens do bairro Jd. Vera Cruz, disse que sabe muito bem que “parte da poluição não é resolvida só com implementação de esgoto. A população local tem um longo processo de aquisição de consciência ambiental a percorrer”.


A Vila Gilda, assim como vários bairros, estão sem voz na discussão pública sobre a preservação ambiental da Guarapiranga e, por isso, viram alvos de uma lógica subentendida que os implica como alienados ou contrários à Lei Específica. Só que eles têm um recado a dar: “Somos a favor da lei e da preservação da riqueza que é a represa, mas não se esqueçam do nosso esgoto e asfalto!”

 

diverCIDADE - Revista Eletrônica do Centro de Estudos da Metrópole