Entrevista
Marcel Bursztyn

Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1973), com mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1976), Diploma in Planning Studies pela University of Edinburgh (1977), doutorado em Développement Économique et Social - Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne) (1982) e doutorado em Economie - Université de Picardie-França (1988). Atualmente é professor adjunto da Universidade de Brasília, onde dirige o Centro de Desenvolvimento Sustentável. Tem experiência na área de socioeconomia, com ênfase em Desenvolvimento Sustentável, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento regional, políticas publicas, sustentabilidade, Amazônia, Nordeste e gestão ambiental. Autor de 11 livros e dezenas de artigos.

1º pergunta: Interesse pessoal no tema

A cidade como ambiente é uma questão que vem sendo tratada no âmbito do debate sobre desenvolvimento sustentável. Com mais de metade da população do planeta vivendo em núcleos urbanos, o tema é crucial tanto pela sua implicação humana, como também ecológica. Pelo lado humano, vale assinalar o fato de que uma grande parcela dos habitantes das cidades não dispõe de condições básicas de abastecimento de água, coleta e tratamento adequado de lixo e esgoto, e drenagem de águas pluviais. Isso significa que o ambiente urbano apresenta graves problemas em sua “ecologia”. Some-se a isso o fato de que quanto mais pessoas vivem nas cidades, maior é a sua dependência em relação à produção de víveres no campo, implicando uma relação de apropriação efetiva do meio natural, com evidentes impactos.
Minha aproximação a esse tema começou com o interesse em entender a dinâmica de “expulsão” de populações do campo, em razão mais intensa do que a “atração” pelas cidades. Na época (mais de três décadas atrás), o problema maior parecia ser o que chamávamos de marginalidade: segmentos da sociedade que logravam alguma integração à esfera econômica, mas que viviam em condições precárias, fora dos circuitos de acesso aos bens e serviços de infra-estrutura social.


2º pergunta: Questão do trabalho com os 'excluídos' de Brasília (ou plano micro e urbano de atuação do CDS)
O quadro de marginalidade se agravou no último quarto do século 20, produzindo o fenômeno da exclusão social. Nesse caso, a ruptura dos vínculos econômicos se soma à falta de acesso aos bens e serviços de infra-estrutura social. Isso é novo e surpreendente, ao final de um século em que se imaginava ser de inclusão.
O modo de vida de populações de rua – um fato novo pelas suas dimensões e pelas características que assumiu – chamou minha atenção como pesquisador. A indagação inicial sobre quem eram essas pessoas, levou à constatação de alguns processos relevantes em curso no Brasil: circuitos miseráveis de migrações, inexistência de mecanismos públicos de proteção social, perversa dialética entre os despojos dos incluídos e a subsistência desses excluídos. Esse último aspecto mostrou-se como uma versão pós-moderna do “ciclo do caranguejo” descrito por Josué de Castro na Geografia da Fome.
O tema revelou-se tão importante, que passou a ser parte das atividades de pesquisa e tema de teses e dissertações do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, que forma mestres e doutores com enfoque interdisciplinar, há mais de 11 anos, do qual sou diretor.

3º pergunta: Visão governamental sobre a questão ambiental (experiência como membro de governo)

Diante dos problemas que afetam o ambiente urbano inerentes à existência de crescentes contingentes de populações de rua vivendo da cata de lixo, o poder público é inoperante. Além de todas as mazelas da lentidão e falta de universalidade das políticas públicas de natureza social, em geral, há uma questão particular: o caráter “intangível” e volátil dessas populações. Por serem pessoas vivendo na absoluta informalidade, geralmente sem documentos, sem endereço e sem vinculação com emprego, constitui-se uma espécie de muro separando o mundo legal de seu mundo real. A polícia não sabe o que fazer para removê-los de áreas públicas (não podem ser mandados para casa, pois não as têm). O guarda de trânsito não consegue impedir que suas carroças trafeguem pelas ruas, pois não podem ser multados ou rebocados. As entidades de defesa da infância não têm sucesso em fazer valer a legislação que proíbe o trabalho infantil. A constatação mais evidente é que se por um lado evoluímos na definição de políticas públicas e instrumentos de proteção social, por outro, somos incapazes de universaliza-los e, principalmente, estende-los à crescente parcela de excluídos.

4º pergunta: Opinião sobre a situação atual da questão ambiental

Sobre a atual questão ambiental, é relevante assinalar dois fatos. Primeiramente, cabe assinalar que o enorme consenso – expresso pela mídia, pela opinião pública e pelos meios políticos e empresariais – de que vivemos uma crise ambiental, pode esconder um risco de banalização. Se todos são a favor, então quem estará contra? Vivemos, portanto, um momento em que a retórica pode estar servindo de escudo para a perpetuação da mesmice. O que importa não é dizer-se ambientalmente correto, mas sê-lo!

O segundo ponto é que os alertas pioneiros sobre riscos ambientais, desde pelo menos os anos 1960, eram vistos com muita reticência por boa parte da comunidade acadêmica, decisores políticos e empresários. Dizia-se que não havia certeza científica que respaldasse tais alertas. Nos dias atuais, novos estudos têm mostrado um crescente grau de fiabilidade nos estudos que apontam para problemas ambientais,como é o caso dos relatórios recentes sobre mudanças climáticas.


5º pergunta: Perspectivas para o futuro da questão ambiental

Parece haver uma tendência forte, em escala mundial, a que a questão ambiental paute de forma crescente as decisões políticas e econômicas. Estudos como o Relatório Stern, publicado na Grã-Bretanha ao final de 2006, mostram que a degradação ambiental – em particular seus efeitos sobre o clima – provocará graves perdas econômicas, além, evidentemente, das conseqüências sociais. A constatação e assimilação da idéia de que o problema é grave e demanda iniciativas imediatas vêm crescendo. No campo das ciências – condição básica para a posterior aplicação em tecnologias e inovação – tem havido um movimento no sentido da ambientalização de temas prioritários. É de se esperar que esse movimento se amplie ao longo das próximas décadas. Sou otimista de que saberemos enfrentar esse desafio.

 

diverCIDADE - Revista Eletrônica do Centro de Estudos da Metrópole