Taboão da Serra, Cooperifa e um livro inédito
“É preciso sugar da arte / um novo tipo de artista: o artista cidadão. / Aquele que na sua arte/ não revoluciona o mundo, / mas também não compactua com / a mediocridade/ que imbeciliza um povo / desprovido de oportunidades. / Um artista a serviço da comunidade, do país. / Que armado da verdade, por si só, exercita a revolução. (O Manifesto, Sérgio Vaz)
Rafael Duarte Oliveira Venancio e Francisco Toledo
“Quando eu cheguei para o Luiz Alves Junior, diretor da Global Editora, eu disse que não estava aqui para pedir patrocínio para a Ação Educativa, mas sim para sugerir um produto editorial”- afirma orgulhosamente Eleílson Leite, coordenador do Centro da Juventude e Educação Continuada da ONG Ação Educativa, que completou – “na minha opinião, a mesma editora que publicou Plínio Marcos, tinha que lançar um selo com os autores da Literatura Periférica”.
Essa fala não foi obtida dentro de um escritório, mas sim na plena realização desse sonho. No palco do Teatro Municipal de Taboão da Serra, Eleílson era mais um que, no dia 5 de julho, saudava o lançamento do livro Colecionador de Pedras, de Sérgio Vaz. Um dos idealizadores da Cooperifa e do seu famoso Sarau, Sérgio assinava com felicidade o primeiro dos cinco livros que o selo “Literatura Periférica” da Global Editora irá lançar. Os demais títulos serão Guerreira, de Alessandro Buzo; Da cabula – istória pa tiatru, de Allan da Rosa; De passagem mas não a passeio, de Dinha; e 85 letras e um disparo, de Sacolinha.
O evento reuniu um público de 500 pessoas, segundo os cálculos do blog de Sérgio Vaz, e contou com as apresentações dos poetas do Sarau da Cooperifa e de diversos grupos como Wésley Noóg, Versão popular, Periafricania, Banda Preto Soul, Grupo Espírito de Zumbi, Magrelas Bike, Clãmunhão, Sabedoria de Vida e a lua e o vinho. Tudo isso na noite de sono de Taboão, berço da Cooperifa, onde eles cumpriam um dos poemas do livro:
Enquanto isso, os poetas,
paladinos da madrugada
riscam palavras luminosas
no asfalto vazio
pra quando a cidade acordar.
(Taboão da Serra, Sérgio Vaz) |
Tendo como epígrafe, a citação do poema O Manifesto que inicia essa reportagem, o livro reúne mais de 100 poemas dispostos em 166 páginas. Muitos desses versos já foram escutados no Sarau, que acontece todas as noites de quarta-feira no bar do Zé Batidão (Rua Bartolomeu do Santos, 797 – Piraporinha – Zona Sul de São Paulo).
No entanto, outros também foram lidos pelos poetas durante a amostra de Sarau que aconteceu no lançamento do Colecionador de Pedras. São poemas que misturam o cotidiano brasileiro com temas universais ou referências clássicas:
Vítor nasceu
no Jardim das Margaridas.
Erva daninha,
nunca teve primavera.
Cresceu sem pai,
sem mãe,
sem norte,
sem seta.
Pés no chão,
nunca teve bicicleta.
Hugo não nasceu, estreou.
Pele branquinha,
nunca teve inverno.
Tinha pai,
tinha mãe,
caderno
e fada madrinha.
Vítor virou ladrão,
Hugo salafrário.
Um roubava pro pão,
o outro, pra reforçar o salário.
Um usava capuz,
o outro gravata.
Um roubava na luz,
o outro, em noite de serenata.
Um vivia de cativeiro,
o outro, de negócio.
Um não tinha amigo: parceiro.
O outro tinha sócio.
Retrato falado,
Vitor tinha a cara na notícia,
enquanto Hugo
fazia pose pra revista.
O da pólvora
apodrece penitente,
o da caneta
enriquece impunemente.
A um, só resta virar crente,
o outro, é candidato a presidente.
(Os Miseráveis, Sérgio Vaz) |
O evento, por si só, caracterizou uma grande reunião de boa parte da cultura periférica produzida na Região Metropolitana de São Paulo. Claro que, como disse Ferréz no prefácio de Colecionador de Pedras, “no meio de uma terra devastada pela canalhice plantada há tantos anos, alguém quer semear a poesia e certamente colherá incompreensão”.
No entanto, como diz o começo do livro, representado pela camiseta de muitos dos participantes do evento: “As pedras não falam, mas quebram vidraças” e proporcionam o artista cidadão, aquele a serviço da sua comunidade, buscado pelos versos de Sérgio Vaz.
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