Etnografias revelam dinâmicas das tribos urbanas

As tribos de jovens costumam ser identificadas por estereótipos, seja pela forma de se vestir ou comportamentos mais característicos, como as roupas negras dos góticos ou a dieta vegetariana dos vegans. Ao mesmo tempo em que criam uma identidade bem definida, num esforço de se diferenciar da sociedade de massa e do individualismo, essa imagem também serve de proteção, escondendo o que realmente motiva ou está por trás desses comportamentos. Assim, conhecer em detalhes como funcionam essas tribos, o que eles pensam, porque eles fazem determinadas escolhas, ou como eles utilizam o espaço da metrópole, acaba se tornando uma exclusividade para os iniciados.

punk
Punk
O livro “Jovens na Metrópole”, (Editora Terceiro Nome, 280 pgs), organizado por José Guilherme Cantor Magnani e Bruna Mantese de Sousa, revela um pouco desse universo por uma visão de dentro, através de 10 etnografias de diferentes tribos e circuitos jovens, como os Straight Edges (grupo derivado do Punk), os forrozeiros, as baladas da Vila Olpimpia, os Japas, os Manos, os góticos da internet e a balada do Senhor.

Mais do que definir cada grupo, as etnografias buscam entender sua dinâmica interna, priorizando os circuitos da cidade utilizados por cada grupo, as interações entre eles, as diferenciações internas, e aquilo que constrói a identidade de cada um, justificando suas escolhas e comportamentos. Para os Straight Edges, por exemplo - um grupo derivado do Punk, que une à música hardcore um estilo de vida saudável e sem uso de drogas e dieta vegetariana - a alimentação determina os locais freqüentados. Daí a escolha de uma sorveteria da Rua Augusta, que serve sorvete feito com leite de soja, como um dos locais preferenciais de encontro. Já para os forrozeiros, o conceito de “raiz” ou tradição fundamenta a identidade do grupo, opondo o forró universitário, que resgataria o forró-pé-de-serra tradicional, ao forró eletrônico. Já na Vila Olímpia, a diferenciação se dá pelo preconceito, entre os mais abastados, com carros importados e turbinados, e a “baianada”.

As etnografias se baseiam em quatro conceitos centrais: pedaço, como espaço intermediário entre o privado e o público; manchas, áreas contíguas do espaço urbano dotadas de equipamentos que marcam seus limites (como as casas de forró do baixo pinheiros), trajetos, ou fluxos recorrentes pela cidade, e circuito, descrevendo oferta de serviços que não guardam necessariamente contigüidade territorial. Dessa forma, o livro oferece um panorama bastante detalhado e instigante do interior das tribos urbanas. Na entrevista a seguir, José Guilherme Cantor Magnani fala mais sobre o livro.

O que o livro trouxe de novo para o conhecimento do jovem e das
tribos nas metrópoles?

Em primeiro lugar o livro não emprega a  expressão  “tribos” (ainda que difundida na mídia) em razão de sua inadequação para os temas da pesquisa . Nos estudos com populações  indígenas, o termo tribo aponta para alianças mais amplas entre segmentos,   clãs, aldeias etc. Quando transportada para o contexto urbano, seu uso é exatamente no sentido  contrário: refere-se a pequenos grupos, isolados, não raro violentos... E não foi o que nós vimos na pesquisa que está em  "Jovens na Metrópole”. Feita essa ressalva, o livro justamente mostra que os jovens não apenas não constituem grupos fechados, nem percorrem a cidade de forma aleatória, mas têm seus trajetos, pertencem a circuitos, estabelecem trocas (e conflitos) entre si.
rave
Festa Rave

Existia uma afinidade entre os antropólogos e o grupo estudado?

Tirando um ou outro caso em que havia algum tipo de inserção no grupo ou de conhecimento  prévio do tema,   não havia ligação,  a não ser o fato de serem jovens pesquisando outros jovens. Pode ocorrer, mas não há necessidade de o pesquisador ter uma afinidade ou participar do grupo que estuda.


Que fatores (gerais e particulares) levam ao surgimento dessas tribos?

Os grupos de jovens estudados no livro são o resultado da necessidade de diferenciação numa sociedade em que a mídia, o apelo ao consumo, a padronização dos gostos induzem a uma certa homogeneização.  Grupos de jovens, então, estabelecem pautas específicas de diferenciação  na indumentária, nas preferências musicais, no símbolos de  reconhecimento e até nas escolhas políticas  que podem ser identificados nos seus “pedaços” e circuitos, como mostra o livro.

hippie
Hippie


Que papel elas (tribos) cumprem na formação da identidade psicossocial?

Não falaria em identidade “psicossocial”, mas em identidades, no plural, construídas e  continuamente reconstruídas,  mais  no espaço público da cidade do que num plano psicológico, já que este não foi o recorte da pesquisa.

Como foi a escolha das 10 tribos ou circuitos abordadas no livro?

Em função das escolhas de cada autor, enquanto eram alunos e tinham de fazer um exercício de etnografia, numa disciplina por mim ministrada no curso de Ciências Sociais da USP. No início, o tema dos jovens era um entre muitos; quando percebi que havia uma certa coincidência na forma de abordar, me dei conta  que poderia render mais e instituí um grupo de estudo chamado NauJovem no Núcleo de Antropologia Urbana para dar seguimento  à pesquisa (em alguns casos já como projetos de mestrado) cujo resultado final foi o livro.

O NAU pretende dar continuidade ao projeto com novas etnografias?

Com este livro encerramos o ciclo de estudos sobre jovens, o que não quer dizer que o tema da juventude e suas práticas não venha a ser abordada  por algum pesquisador de forma  individual. Normalmente o Núcleo tem um tema central – assim foi com o lazer, de que resultou a coletânea “Na metrópole: textos de Antropologia Urbana”. Depois religiosidade, em seguida,  juventude. Atualmente há um grupo que estuda os surdos e sua presença como “minoria” lingüística na cidade e estamos começando, até com a participação do CEM, o tema  religião e cidade; Apesar da variedade de recortes temáticos, o que sempre permanece como objeto central de estudo é a cidade e sua dinâmica.
 


É possível pensar em um "mapa" de tribos urbanas, que mostre as relações espaciais e ideológicas entre elas?

É só seguir as pistas indicadas nos vários capítulos do livro; deixo essa sugestão aos leitores....

 

 

 
diverCIDADE - Revista Eletrônica do Centro de Estudos da Metrópole