Adaptar
uma pesquisa científica em um filme documentário,
mas com liberdade de criação por parte do diretor.
Essa é a proposta do Núcleo de Audiovisual do Centro
de Estudos da Metrópole, uma parceria com a Escola de Comunicação
e Artes da Universidade de São Paulo. O objetivo é
estudar o diálogo entre o cientista e o cineasta e como o
documentário transmite e transforma o conteúdo da
pesquisa científica.
O
primeiro fruto dessa experiência, o filme documentário
A Moda do Centro, de Marta Nehring, doutoranda da ECA, sobre a
indústria têxtil do Bom Retiro, foi exibido dia 20
de agosto no auditório do Cebrap. Em seguida, foi realizado
o debate “Ciências Sociais e Cinema Documentário”,
com a participação de Ismail Xavier e Henri Gervaiseau,
ambos professores da ECA-USP e do Núcleo de Audiovisual
do CEM, Omar Thomaz, professor do Departamento de Antropologia
do IFCH-Unicamp, Álvaro Comin, professor do departamento
de sociologia na FFLCH-USP e pesquisador do CEM, além da
própria diretora (link para íntegra do debate no
fim da página).
O filme foi baseado numa pesquisa sobre os principais ramos de atividade econômica no centro de São Paulo, coordenado por Álvaro Comin, pesquisador do CEM e professor de Ciências Sociais na USP. O projeto foi realizado em parceria com a prefeitura como parte do programa de revitalização do centro, e foi dividido em onze áreas econômicas.
“A indústria têxtil foi escolhida para a realização do documentário por seus contrastes. Ao mesmo tempo em que viajam para a Europa para seguir as tendências mundiais da moda, muitos donos das confecções mantém seus trabalhadores em regime escravo”, diz Comin.
O filme também contou com a colaboração do sociólogo Branislav Kontic, que em sua tese de mestrado demonstrou a importância dos circuitos étnicos na regulação da indústria do Bom Retiro. O bairro recebeu diversas ondas migratórias, como italianos, sírio-libaneses, judeus, coreanos, nordestinos e bolivianos.
Do
relatório ao roteiro
O
maior desafio de Nehring foi realizar algo que não fosse
uma mera ilustração da pesquisa. “De cara,
descartamos a opção de entrevistar os pesquisadores”,
afirma a diretora, “A proposta era dizer coisas de forma
diferente”. Por isso, o filme foi feito sem narrador, sendo
baseado nas entrevistas de diversos personagens que participam
dessa indústria.
Para
Comin, a fórmula funcionou. “Apesar de não
citar os dados da pesquisa diretamente, o filme conseguiu
transmitir com êxito os dois pontos principais da pesquisa:
1) o fato de que os mercados informais apresentam regulação
própria, através de circuitos étnicos,
familiareas ou religiosos e 2) o contraste de uma indústria
que se espelha nos moldes da Europa e Estados Unidos, mas
que usa o trabalho escravo em sua linha de produção”. |
Comin
e Nehring - pesquisador e cineasta - colaboram na montagem
de A Moda no Centro |
Algumas
peculiaridades do filme são fruto de opções
da diretora. É o caso das fotos do centro velho, que aparecem
no início ressaltando as transformações ocorridas
no bairro, e que fazem parte de sua pesquisa de doutorado, e da
ênfase no trabalho escravo e na ilegalidade, assunto que
intrigou a diretora e teve mais espaço no filme do que
na pesquisa.
A
realização teve avaliação positiva
no debate. “A experiência é inovadora, porque
o cineasta usa a pesquisa como ponto de partida e inspiração,
e não apenas como fonte de informações”,
diz Xavier, Coordenador do grupo da Escola de Comunicação
e Artes da USP no CEM. Para Thomaz, esse tipo de experiência
revoga um equívoco antigo na antropologia visual, o de
que o cineasta não tem idéias, mas apenas a técnica,
servindo portanto apenas como registro.
Gervaiseau
ressaltou que, dessa forma, a divulgação científica
não se limita à mera exportação de
conteúdos para o espectador. “A abordagem ensaística
do diretor, que oferece reflexões abertas a respeito da
temática abordada, convive com uma preocupação
didática em instigar o espectador à refletir sobre
o tema.”
No forno
Além
de A Moda do Centro, outro dois filmes estão em fase de
conclusão. Um está sendo realizado por Cláudia
Mesquita, doutoranda da ECA-USP, e é baseado na pesquisa
de Ronaldo de Almeida, professor da Escola de Sociologia e Política
de São Paulo, sobre práticas religiosas em São
Paulo. O outro, Terra em Trânsito, é uma produção
independente de Gervaiseau, realizada com apoio do CEM. O CEM
já tem mais três projetos para o ano que vem, e será
estudada a possibilidade de negociar os filmes com redes de televisão
educativa e de televisão a cabo.
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