Entrevista

Perfil: Henri Gervaiseau

Henri Gervaiseau é Coordenador do Núcleo de Audiovisual do Centro de Estudos da Metrópole, além de professor do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA – USP, onde também é pesquisador associado ao Núcleo de Estudos da Poética da Imagem. Especialista em documentários, é também diretor, roteirista e editor, tendo trabalhado em diversas produções para a televisão e cinema (veja filmografia completa no fim da entrevista). Dirigiu o filme E m Trânsito, o primeiro longa-metragem do CEM, além de ter supervisionado a realização dos vídeos Na Moda do Centro, dirigido por Martha Nehring e Cinco Mulheres de Paraisópolis, dirigido por Claudia Mesquita , ambos baseados em pesquisas da casa.

Como você mudou da História, que foi sua formação inicial, para a área de cinema e documentário?

Quando estudante de graduação fiz diversas disciplinas relacionadas ao cinema, sendo que o curso que mais me marcou foi o de Henri Langlois, fundador e então diretor da Cinemateca Francesa. Devo dizer que fui cinéfilo desde a minha adolescência e que, na minha juventude, fui também por um breve período super-oitista. Tenho um filme inacabado ( O assassino era o jardineiro) , rodado no final dos anos 70, que planejo um dia terminar de montar.

Mas a minha guinada profissional para o universo do audiovisual foi, inicialmente, através de uma experiência de trabalho com televisão nos anos 80, quando participei da realização da série de programas Brasil Corpo e Alma, produzidos pela Fundação Roberto Marinho e a Fundação Pro-Memória, sobre diferentes contextos culturais regionais brasileiros. Tive então a sensação de ter encontrado finalmente a minha vocação, o da expressão através dos meios audiovisuais.

Como foi sua passagem pela televisão e como ela influenciou seu trabalho de documentarista?

Além de trabalhar na série Brasil Corpo e Alma, também trabalhei, por um curto período, para o Globo Repórter , e bem mais adiante para o Globo Ciência . Na televisão aprendi, entre outras coisas, a trabalhar com prazos relativamente curtos, a levar em conta o público-alvo de cada programa, a realizar trabalhos que pudessem ser compreendidos por uma larga audiência, e, nesse contexto, buscar sempre encontrar o difícil equilíbrio entre qualidade (estética, intelectual) e eficiência (comunicativa). Além da experiência pratica que adquiri, acredito que a passagem pela TV, paradoxalmente, reforçou o meu projeto de construir o meu próprio caminho como documentarista independente.

Como você se envolveu com o tema da ciência, por exemplo, ao dirigir o programa Globo Ciência?

Na verdade não dirigi o programa Globo Ciência. Exerci diversas funções dentro das equipes do Globo Ciência das quais participei - chefe de redação, argumentista, roteirista, mais raramente também editor e/ou produtor. Posso dizer que em algumas ocasiões, graças a generosidade da diretora Mariângela Medeiros, exerci considerável influência sobre a direção de vários programas, mas nunca dirigi efetivamente o programa.

Acredito que uma das nossas maiores batalhas, quando trabalhei no programa, era defender a idéia de que divulgar a ciência não significava tentar exportar conteúdos de informação para a mente do espectador, mas de estimular a sua curiosidade intelectual e a sua capacidade de reflexão crítica, através da exposição instigante de questões essenciais do campo científico.

Como foram seus projetos de doutorado e pós-doutorado, nos quais você já estava envolvido com documentários?

O meu projeto de doutorado intitulava-se O Abrigo do tempo . Através do estudo de um conjunto de filmes, estrategicamente escolhidos dentro da história do cinema, eu procuro mostrar como o chamado cinema documentário é um meio privilegiado e singular de expressão e de compreensão da passagem do tempo. Meu orientador foi André Parente. A maior influência, de certa forma, foi a de Jean-Luc Godard, e da sua série Histoire (s) du Cinema . O meu projeto de pós-doutorado intitulava-se Representações da Nação e tinha por tema representações audiovisuais do Brasil na produção de não-ficção brasileira do final dos anos 90 e do início dos anos 2000. O supervisor do projeto foi Ismail Xavier, com quem tenho tido o privilégio de desenvolver um constante diálogo intelectual.

Como você concilia a carreira acadêmica com a produção para o cinema e televisão? Você acha que por ser professor e pesquisador suas produções têm implicações diferentes de quem não tem essa ligação com a academia?

Entrei de modo mais efetivo para a carreira acadêmica há três anos, quando ingressei por concurso como professor do Departamento de Cinema, Televisão e Rádio da Escola de Comunicação e Artes da USP. Não tenho mais trabalhado para a TV, desde então, mas com cinema e com vídeo independente. A maior parte da minha produção como documentarista, hoje, está intimamente relacionada às minhas atividades de pesquisador e docente - que envolvem uma relação constante com o CEM. Acredito que por ser professor e pesquisador, estou, como documentarista, particularmente atento tanto às questões relativas a linguagem quanto às questões relacionadas ao campo das ciências humanas.

Com quais cineastas brasileiros você se identifica? Por quê?

Os dois cineastas brasileiros com os quais mais me identifico são Eduardo Coutinho e Jorge Furtado. Coutinho, pelo rigor do seu método de trabalho, a concisão do seu estilo e da sua dramaturgia documentária, a profundidade heurística da sua abordagem humanista da sociedade brasileira. Furtado, pela inquietude do seu estilo, a sua vertiginosa capacidade de composição dramática, a verdade de seus personagens ficcionais, o seu interesse fecundo em discutir questões candentes do nosso presente e da nossa história.

Como você se interessou pelo tema do transporte urbano?

Sou franco-brasileiro. Vivi muito tempo em Paris, cidade muito bem equipada em termos de transporte coletivo. Durante a maior parte da minha vida não tive carro e andei muito a pé, de ônibus ou metrô, tanto em Paris, quanto no Rio ou São Paulo. Sempre me marcou a precariedade do transporte público no Brasil. Em função desta precariedade (e também dos congestionamentos provocados pelo excesso de carros nas ruas) muita gente gasta muito do seu tempo, no dia a dia, no espaço do trânsito e do transporte coletivo. O que acontece nesse tempo e neste espaço? De que forma esta experiência do ir e vir cotidiano se articula com outras dimensões da vida das pessoas? Estas foram algumas das questões que me levaram ao interesse pelo tema do trânsito e do transporte urbano.

Qual a importância dessa experiência com documentários no CEM para a história do documentário?

Ainda é cedo para dizer. O que podemos salientar por ora é que é rara, na história do documentário e particularmente na história do documentário brasileiro, a colaboração constante, dentro de uma instituição de pesquisa em ciências sociais, entre documentaristas e cientistas sociais, na perspectiva da realização de uma série de documentários independentes.

Como sua origem (francesa) influencia na temática de sua pesquisa?

Sendo um cidadão entre dois mundos, acabo me envolvendo, freqüentemente, com temas relacionados, por um lado, às questões de identidade, e, por outro, de mobilidade.

Em que projetos você está envolvido atualmente?

Preparo a minha tese de livre-docência, em que faço um balanço crítico da minha obra documentária. Estou, por outro lado, envolvido com a direção de dois projetos de documentários: o primeiro, sobre o Marquês de Pombal, uma produção conjunta de dois Departamentos da USP – o Departamento de Cinema, Televisão e Rádio da ECA e o Departamento de História da FFLCH; o segundo, sobre o distrito de Cidade Tiradentes (SP), uma produção do CEM.

Filmografia

Pombal, a caminho do documentário. 2005

Em trânsito. 2005.

Chapada do Araripe. 2005.

Cinco mulheres de Paraisópolis. 2004, (juntamente com Ronaldo de Almeida, Tiarajú D'Andrea e Cláudia Mesquita)

Na moda do centro. 2004, (juntamente com Álvaro Comin e Marta Nehring)

Índios no Brasil. 2000, (Programa de Televisão, com Vincent Carelli)

Terra Cariri. 1999 (Vídeo documentário).

Rumos da URCA. 1999 (Vídeo documentário).

Travessia da Chapada. 1999 (Vídeo documentário).

A terra prometida. 1999 (Documentário).

Globo Ciência. 1995 a 1998 (Programa de Televisão, com Mariângela Medeiros)

Tem que ser baiano? 1994 (Documentário).

Sem tempo a perder. 1994 (Vídeo documentário, com Rosemberg Cariri)

Isto é a França em quadrinhos. 1991 (Vídeo documentário).

Por dentro da matéria. Física e físicos. 1991 (Vídeo documentário).

Homenagem ao Dom. 1989 (Documentário).

O debate da comunicação. Fortaleza 88. 1989 (Documentário).

Viva o povo brasileiro. 1989 (Série de vídeos documentários).

Salário de Fome. 1988 (Vídeo documentário).

Touche pas à mon pote. 1988 (Vídeo-clip, com Beth Formaggini, Solange Padilha e Flavio Ferreira).

Moreira da Silva. 1986 (Programa de Televisão, com Pablo Pessanha).

Brasil Corpo e Alma / Rio de Janeiro. 1984 (Programa de Televisão).

Brasil Corpo e Alma / Vila Bela. 1983 (Programa de Televisão).

Brasil Corpo e Alma / São Paulo. 1983 (Programa de Televisão).

 

 

 

diverCIDADE - Revista Eletrônica do Centro de Estudos da Metrópole