Verso paulistano revela cores da cidade crua Como viver num lugar tão cruel e caótico, cercado pela miséria e pela violência, marcado pela segregada e pela desigualdade, sem, mesmo assim, perder o encanto? A resposta está no título que escancara o sentimento que move muitos de nós a apostar nessa cidade apesar de tudo: Paixão por São Paulo – antologia poética paulistana, (Editora Terceiro Nome, 184 páginas, R$ 35), livro organizado pelo poeta, jornalista e publicitário Luiz Roberto Guedes. De Alice Ruiz a Jorge Mautner, passando por Arnaldo Antunes, Mário de Andrade e Roberto Piva, são nada menos do que 71 poetas, de origens diversas, numa coletânea preciosa de poemas que ao longo de quase um século brotaram no asfalto, crescendo junto com a mancha urbana, desnudando no verso detalhes e sentimentos que passam batido na correria da grande metrópole. O livro foi tema de um sarau que aconteceu na Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, na Avenida Paulista, no qual diversos poetas do livro declamaram seus poemas. Segue uma amostra a título de tira-gosto.
AV. Brasil, SP Frederico Barbosa*
flor de farol colhida às pressas entre o tédio maquinal da marcha lenta
de diferença em meio à indiferença metálica desses corpos impessoais na agonia da imobilidade densa
signo insano ensaio de abalo sísmico lente de aumento no amor e na impaciência
* Diretor da Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura _____________________________________________ os trabalhos noturnos Luiz Roberto Guedes
o caminhão da limpeza pública ruminarrange caracol de aço lentamente ao longo das calçadas os lixeiros de jalecos amarelos trotando atrás da máquina-mandíbula vão colhendo os dejetos da urbe volumes limosos, fardos de sobras para a bocarra triturante e rápidos embarcam juntos – num salto exato para a traseira do caminhão e já um grito de comando acelera o motor ao longo da avenida onde o grito se alonga em gritocanto, elo de vogais aboio para um caminhão |um vaqueiro ilhado na cidade|
De Antologia de Poesia do Prêmio Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte , 1992. _____________________________________________
Urbaniversado (2002) Glauco Mattoso
Do Pátio do Colégio ao infinito, o imenso não é feio nem bonito: darás de megalópole uma idéia?
Tens árvore de figo ou de palmito? Tens catedral de taipa ou de granito? Tens flor? É rosa, hortênsia ou azaléia?
quem chega não se encontra com quem parte; a rua não se avista da sacada.
tu, pois, que cantes, antes de mais nada, que és obra, em fundo e forma, in progress : arte!
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