Entrevista

Perfil: Haroldo Gama Torres

Haroldo Torres, coordenador da Área de Transferência de Tecnologia do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e mestre em demografia pela UFMG. Foi bolsista do Harvard Center for Population and Development Studies e tem como principal tema de estudo a problemática do uso e tratamento da informação sócio-demográfica nas políticas sociais. Haroldo atua em projetos nas áreas de educação, economia regional, desenvolvimento urbano, meio ambiente, saneamento, geoprocessamento e informática. Acaba de publicar o livro São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais , organizado em parceria com Eduardo Marques, diretor do CEM.

Você transita entre assuntos variados: população, segregação, demografia, meio ambiente, saúde, economia, educação. Como consegue conciliar todos eles?

Apesar da diversidade temática, existe bastante unidade metodológica. O que há de comum nesses diversos campos para mim diz respeito ao uso que faço das fontes de dados e dos sistemas de informações. Em quase todos esses trabalhos utilizo dados censitários e/ou originários de survey e recorro ao auxílio de sistemas de informações geográficas.

Como você passou da economia, sua área inicial de formação, para a demografia?

Ainda como estagiário em economia fui trabalhar com demógrafos e essa transição se deu de modo natural. Durante o mestrado em demografia, cursei várias disciplinas na área de economia regional e urbana, me especializando numa sub-área denominada “distribuição espacial da população”. Esse campo precisa, por definição, dialogar com outros campos, como a geografia, o urbanismo e a economia regional.

Como surgiu o interesse pela área ambiental, tema de seu projeto de doutorado?

Desde os anos 80, estava interessado na área ambiental. Ainda como estudante de economia, participei de pesquisas em Rondônia e Sul do Pará, que colocavam de forma muito aguda a questão ambiental. Minha dissertação de mestrado tinha a ver com o tema, tratando da migração para regiões ao Sul da Amazônia. No início dos anos 90 trabalhei numa ONG ambientalista em Brasília. Na verdade, a mudança importante que se deu na minha trajetória foi abandonar os chamados estudos amazônicos e me voltar para São Paulo. Em parte, fui convencido pelo argumento do George Martine de que o nó da questão ambiental se localizava nas regiões que concentravam a maior parte da população e das atividades econômicas. Também estava convencido de que, no Brasil, precisamos pensar a questão ambiental num diálogo sistemático com a questão social, o que orienta bastante o projeto de minha tese de doutorado e o meu trabalho desde então.

Qual sua motivação para o estudo desses temas?

Penso que a contribuição maior que podemos fazer diz respeito ao aumento das competências estatais para lidar com esses temas. As maiores alegrias que tive com esse trabalho têm relação com contribuições reais que pudemos fazer no plano das políticas públicas, no sentido de instrumentalizar processos de decisão que – no final – significam creches nos lugares corretos, postos de saúde, planos adequados etc.

O que te levou a trocar Belo Horizonte por São Paulo?

A resposta a um anúncio de emprego no jornal e uma ex-namorada, que mudava então para cá.

Como surgiu a parceria com Eduardo Marques?

A partir de 1994, fomos colegas no doutorado em ciências sociais da UNICAMP. Junto com um terceiro colega, formamos um grupo de estudos urbanos, que me permitiu avançar substancialmente nessa área. Daí em diante, nós temos trabalhado juntos em diferentes oportunidades.

 

Como foi a formação do Centro de Estudos da Metrópole e como isso afetou sua trajetória de pesquisas?

Durante a segunda metade da década de 90, eu trabalhava na Fundação Seade. Ali, duas questões principais me chamavam a atenção. A primeira, é que eu achava que os sistemas estatísticos existentes não cumpriam adequadamente seu potencial de informar os tomadores de decisão. Tínhamos que entender melhor como as decisões eram tomadas, de modo a gerar informações que realmente façam diferença. A segunda, tinha a ver com a percepção de que existia uma baixíssima penetração dos sistemas de informação geográfica na gestão pública, inclusive no Seade, impossibilitando a realização de uma série de análises relevantes. Esses dois elementos constituíram a espinha dorsal da área de transferência do CEM, que começou – no início do projeto – como atribuição do Seade e depois passou para o Cebrap, quando vim para o CEM.

Como surgiu seu interesse e envolvimento com a metodologia quantitativa? Qual é a importância dela hoje nas ciências sociais?

Vindo da economia e demografia, sempre trabalhei com a dimensão empírica dos problemas. A rigor, tenho interesse tanto por metodologias quantitativas quanto qualitativas, que considero muito úteis em inúmeros casos. Mas acho também que os métodos quantitativos, embora não devam ser tratados como panacéia (como muitas vezes acontece), têm uma enorme contribuição a fazer em diferentes áreas das ciências sociais. Infelizmente esses métodos ainda são pouco utilizados nas ciências sociais brasileiras.

Qual a importância de suas passagens pelo exterior, na Universidade de Michigan e no Harvard Center for Population and Development Studies?

Por um lado, tive a oportunidade de ter contato com as ciências sociais no exterior, o que faz toda diferença. Por outro, pude desenvolver melhor algumas habilidades, inclusive em sistemas de informação geográfica.

Como você concilia a carreira acadêmica com as atividades como consultor de pesquisas de mercado?

As coisas aconteceram de modo muito natural. Fui apresentado à empresa onde dou consultoria hoje (Data Popular) por pessoas do próprio Cebrap. E o que acontece é que, também no setor privado, estou interessado na forma como a informação produzida pelas ciências sociais contribui para os processos de decisão.

Quais são os maiores obstáculos na sua carreira de pesquisador?

Temos que admitir que depois da Fapesp esses obstáculos se reduziram de modo importante. Uma questão concreta no meu caso tem a ver com a ausência de financiamento direto para o pesquisador que está fora da universidade. Assim, tenho que buscar formas alternativas para completar meus rendimentos.

Quais são seus projetos futuros?

No curto prazo, estou muito preocupado em analisar os dados do “ survey de acesso a serviços públicos entre os 40% mais pobres”. Trata-se de uma pesquisa que pode trazer uma série de aprendizados para políticas públicas. Em segundo lugar, vejo ainda no CEM alguns desafios técnicos a enfrentar. Primeiro, desenvolver uma base de logradouros que nos permita, de fato, mapear eventos (nascimentos, escolas etc.) na periferia. Segundo, temos que dar um salto coletivo em termos de organização da informação e de tratamento de dados, nos preparando para o Censo 2010.

 

 

diverCIDADE - Revista Eletrônica do Centro de Estudos da Metrópole