Reportagem

Segregação
Comparação entre favelas em Vila Mariana e Perus revela dificuldades de quem mora mais longe
por Audrey Camargo

Arquivo CEM

A falta de infra-estrutura e a pobreza nas favelas podem dar a impressão de que a qualidade de vida em qualquer uma delas é igualmente ruim. No entanto, morar em favelas próximas à região central pode apresentar uma série de vantagens – como maior acesso a empregos, educação de qualidade, saúde e outros serviços – em relação a viver em outra favela nas bordas extremas da cidade.

 

Arquivo CEM

As duas entradas da favela ...

... na rua Mario Cardim, Vila Mariana

Em depoimento à reportagem os moradoresEssa é uma das conclusões do livro São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais , organizado por Eduardo Marques e Haroldo Torres.

Para verificar o que isso significa na prática, a equipe da revista diverCIDADE escolheu duas favelas para fazer uma comparação: a de Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, e a do Perus, no extremo norte da cidade. de ambas favelas relataram as dificuldades e as vantagens que encontram no local onde moram. Com esses dois exemplos, já foi possível confirmar um dos principais argumentos do livro: em São Paulo, não existe uma periferia, mas uma variedade de periferias, cada uma com características particulares.

Morar perto X Morar longe

Localizada num espaço que foi uma fábrica de velas falida e abandonada na rua Mario Cardim, a favela da Vila Mariana já está na região há 30 anos, segundo a subprefeitura do bairro. Alguns moradores entrevistados mudaram de regiões com melhor infra-estrutura urbana para a favela, por conta da boa localização. Esse é o caso do motoboy Diego Rocha do Nascimento, que mora lá há cinco anos: “Vim de Francisco Morato com a família para achar mais serviço, porque aqui é próximo de tudo”.

Já o comerciante Aron Rocha, cearense de 38 anos, fez o caminho contrário: comprou uma casa no Jardim Miriam e saiu da favela. Ele concorda com Diogo, mas ressalta que apesar da proximidade os moradores ainda são muito carentes e desassistidos: “Ninguém vem aqui na favela montar escola, áreas de lazer. A brincadeira da criançada é ser levada pela polícia a cada instante”. De fato, pouco depois de entrarmos na favela, um comboio de policiais entrou no local de moto e retirou um jovem.

Se na Vila Mariana os moradores são mais rigorosamente vigiados e repreendidos, no Recanto dos Humildes em Perus – a segunda área visitada – a população sofre com a falta de policiamento. O aposentado Severino José de Lima, pernambucano de 53 anos, é um dois principais insatisfeitos: “O bairro é muito violento. Às vezes eu estou em casa à noite e ouço ‘nego' atirando aí de bobeira. A polícia você chama e ela não aparece”.

O morador também critica o acesso a serviços: “Em Perus falta tudo, de segurança a posto de saúde. Tem dia que não cabe ninguém no pronto-socorro, é gente jogada para tudo que é canto. Outro dia chamei a ambulância no 103, porque meu pai passou mal, e a ambulância não veio. Isso daqui é o caos”.

O Recanto dos Humildes é um misto de lotes urbanizados e favela, próximo ao km 26 da Rodovia dos Bandeirantes. Sua história teve início com uma iniciativa governamental. Segundo o geógrafo Gustavo de Oliveira Coelho de Souza, a área foi comprada no governo de Luiza Erundina para atender a demanda de moradia do movimento dos Sem Terra e moradores de favelas em situação de risco, mas por ser um local de topografia irregular, passou por diversas dificuldades para sua urbanização. Com a transição do governo petista para a gestão Maluf, a população ficou sem assessoria e passou a ocupar sem critério a região.

Márcia do Prado Gomes é uma das pessoas que mora em área invadida. “Hoje está bem melhor, mas quando eu vim era péssimo. Aqui era tudo barro. A população que asfaltou a rua”. Outro problema citado é a distância dos locais de lazer. Ela e o marido têm que se locomover até os parques do Ibirapuera, Água Branca ou Anhangüera – que, segundo ela, melhorou apenas recentemente – para passear.

Embora os moradores de ambas as favelas sejam bastante carentes, na favela da Vila Mariana parece haver maior oferta de benefícios materiais. A mineira Maria das Graças dos Santos, de 52 anos, atualmente desempregada, está na favela há 20 anos e informa que lá existem a Associação Mãos Unidas, a Igreja Pia Sociedade de São Paulo, uma Igreja Batista e um centro espírita. As instituições têm contribuído com cestas básicas, remédios, aulas de reforço da escola, cursos variados para crianças, adolescentes e adultos.

 

No Recanto dos Humildes, no entanto, os moradores relataram muito mais problemas, como falta de associações, distância das boas ofertas de trabalho e transporte precário. O CEU Perus, próximo ao Recanto dos Humildes, é uma referência dos moradores sobre a melhoria de espaços para aprendizado e lazer. Entretanto, parece não ser suficiente para atender a demanda existente na região.

Outro que faz coro aos descontentes é o paraibano Hilário dos Santos, de 45 anos. Trabalhando a três horas de ônibus do Recanto, tem dificuldade para chegar ao local de trabalho. “Precisava investir mais em transporte, porque aqui é bem precário. O trem, por exemplo, é muito lotado. É difícil conseguir embarcar nos vagões”.

Um dos problemas que encontramos, tanto em Perus quanto na Vila Mariana, foi a falta de informações por parte do poder público. De acordo com Carlos Eduardo Gonzales Barbosa, Coordenador de Assistência Social e Desenvolvimento da Subprefeitura de Perus, nunca foi feito um censo adequado no Recanto dos Humildes devido ao número de invasões que, freqüentemente, expandem desordenadamente a área. Sabe-se apenas que no ano de 2000 havia 10.511 moradores.

O mesmo acontece na Vila Mariana. A subprefeitura não soube informar o número correto de moradores da favela porque o censo realizado, simplesmente, sumiu. Os moradores ouvidos afirmam que na área vivem cerca de 700 pessoas.

A falta de informações dificulta a criação de políticas de melhoria, tendo-se em vista que é preciso conhecer a pobreza para melhor combatê-la. Os problemas em ambas as favelas são graves, mas apresentam especificidades e exigem, por parte do poder público, um maior empenho para conhecer mais profundamente cada caso, para que se produzam políticas públicas que atendam as necessidades de cada local.

 

 

diverCIDADE - Revista Eletrônica do Centro de Estudos da Metrópole