Televisão
Telenovelas criam conflito entre o mundo do alto consumo e pessoas de baixa renda
Estudos de recepção na favela de Paraisópolis (SP), Montes Claros (MG) e Timbaúba dos Batistas (RN), ajudam a entender como população pobre assimila e interpreta as telenovelas, a partir de uma realidade bem distinta da dos personagens
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Você já reparou quantas antenas parabólicas, a princípio um produto de luxo, existem em favelas de São Paulo? Se você entrar em alguma dessas favelas, talvez se surpreenda ainda com o número de aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos de último modelo, num local que sofre de carências básicas. E um detalhe: a televisão está sempre lá, mesmo que não haja uma máquina de lavar, por exemplo, um item teoricamente mais importante no dia-a-dia do ponto de vista prático. Porque isso acontece? |
Favela de Paraisópolis |
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Uma hipótese para explicar esse aparente paradoxo é o fato de que a televisão propicia uma espécie de inclusão social simbólica, sem a qual as pessoas estariam desconectadas do mundo. “O conteúdo do programa, por sua vez, cujo objetivo primeiro é o de atingir os consumidores de classes mais altas, faz com que o próprio consumo também seja encarado como uma forma de inclusão social simbólica”, diz Esther Hamburger, antropóloga e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole.
Para entender melhor como a televisão - mais especificamente a telenovela, programa que mais promove um estilo de vida pautado pelo consumo – influencia o comportamento das pessoas, a pesquisadora participou de uma pesquisa de recepção realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Realizada entre 1996 e 1997, a pesquisa abrangeu três localidades diferentes: na favela de Paraisópolis, o trabalho de campo foi conduzido pela própria Esther e por Ronaldo de Almeida, também pesquisador do CEM; na cidade de Montes Claros, Minas Gerais, por Heloisa Buarque de Almeida, antropóloga da Unicamp; e em Timbaúba dos Batistas, no Rio Grande do Norte, por Antônio La Pastina, da Universidade do Texas. |
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Belíssima, TV Globo - 2005 |
“Paraisópolis, tinha uma alta porcentagem de TVs coloridas, quase 90%, e de residências com mais de uma televisão, número que chegava a 21%. Na época foi lançado o sistema de TV por satélite, e uma semana depois já havia uma antena no local”, diz Esther, que realizou o estudo em São Paulo. “É freqüente o favelado gastar dinheiro em equipamento caros, pois o consumo representa uma forma de demonstrar que eles são capazes de superar a discriminação social, racial e de gênero.” |
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Outro ponto importante é a novela como referência para conversas e discussões. “Elas fornecem um repertório compartilhado, através do qual homens, mulheres e crianças discutem problemas de famílias instáveis ou outras situações, sendo que todos podem participar”, diz Esther. “As pessoas que entrevistei transitavam com naturalidade entre a história da novela e a de suas próprias vidas”. O caso da novela pode também servir de exemplo na discussão de temas polêmicos, que os telespectadores vivenciam em suas vidas privadas, como drogas ou violência doméstica. |
A novela América discutiu temas como infidelidade. TV Globo - 2005 |
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Uma das características das novelas é que o gênero se define por possuir convenções dramáticas estabelecidas. A chamada “transformação” e a liberação dos personagens, um dos motes mais comuns nas novelas, são de especial importância, pois são geralmente associados à ascensão social. “Quando um personagem não realiza a trajetória paradigmática de superação, as pessoas ficam muito insatisfeitas”, diz Esther.
O poder de sedução do consumo também foi algo marcante nas entrevistas. “Eles revêm seus pontos de vista e, aos poucos, familiarizam-se com as concepções e valores que são utilizados nos anúncios publicitários, como bens, serviços e estilos de vida por eles promovidos”, diz Heloisa, que morou em Montes Claros durante sete meses para realizar a etnografia com famílias de camadas médias e populares.
Esse repertório compartilhado das novelas, no entanto, tende a perder força conforme a indústria do audiovisual se diversifica e as pessoas, principalmente os jovens, procuram outras fontes de informações, não só através de livros e jornais, mas da música e de movimentos como o hip hop, até como uma forma de auto-afirmação diante do mundo de ignorância, analfabetismo e pobreza comumente associados às favelas. |
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diverCIDADE
- Revista Eletrônica do Centro de Estudos da Metrópole
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