Televisão
Novelas adquirem significados variados na vida das pessoas
Reportagem da revista diverCIDADE confere como pessoas de diferentes classes interpretam as telenovelas e são influenciadas por elas
por Audrey Camargo
A maior parte das pessoas afirma que assiste novela para relaxar e esquecer dos problemas. Outras alegam que a novela pode ensinar coisas novas e, algumas ainda, contam que, de certa forma, se sentem menos solitárias com elas.
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Por um motivo ou por outro, para quem quer ver novela, opções não faltam. Elas passam cada vez mais em diferentes horários e canais. E se não estiver passando nem mesmo a enésima reprise de Bete – A Feia , não é motivo para desespero, ainda é possível se distrair com programas de fofocas sobre os próximos capítulos e a vida dos artistas, que passam durante toda tarde. |
Bete - A Feia, Rede TV |
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Também não faltam sites , revistas, programas de auditório e jornais especializados no assunto. E assim se propaga cotidianamente o produto mais rentável e bem-sucedido da indústria cultural brasileira. Mesmo quem não gosta de assistir acaba tendo contato com as trilhas sonoras que viram febre, os atores / modelos do momento, o vestuário, os bordões e as perguntas: “Quem matou Odete Roitman?”, “Vai ter beijo gay?”, e por aí afora. De uma forma ou de outra o produto chega a todos.
Para verificar o significado da novela na vida dos telespectadores e qual é a opinião deles próprios sobre o assunto, a equipe diverCIDADE foi mais uma vez a campo, dessa vez amparada na pesquisa sobre audiência de televisão desenvolvida no Centro de Estudos da Metrópole e coordenada por Esther Hamburger.
Fascínio televisivo
A assistente financeira Alaide Bucheb, de 29 anos, conta que assiste novelas porque acredita que é possível aprender com elas. Quando é exibida a rotina dentro de uma empresa, por exemplo, observa como uma pessoa deve se portar profissionalmente. Mas para ela a novela também funciona muito bem como uma terapia. “Eu entro de verdade na história. Vou em todas as emoções, na alegria e na tristeza. É um momento de alucinação, mas quando acaba você volta para a vida real: passou, passou.” |
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Bang Bang, TV Globo - 2005 |
Apesar de acreditar que a novela não influencia suas opiniões pessoais, Alaide julga que a narrativa pode despertar interesses e curiosidades nas pessoas: “A gente vê praia, academia, dança do ventre, isso tudo dá vontade de fazer”.
As novelas, como outras formas de expressões culturais e artísticas, geram a reflexividade nos indivíduos que as assistem; uma espécie de auto-questionamento onde, na comparação de nossas vidas com o que vemos na tela, somos tocados não só em nossas alegrias e sofrimentos, mas também nas escolhas e necessidades.
Quase todos nós somos “pegos” por alguma história, algum fato vivido pelos diferentes personagens e pelos produtos que a novela tenta emplacar. Algumas pessoas, por exemplo, podem até não gostar de assistir, mas acabam entrando em contato com as imagens que ela ajuda a promover. É o caso do publicitário Leandro Rondon, de 28 anos, que não acompanha as histórias, mas gosta das revistas que falam do assunto por causa das fotos. “Eu presto atenção nas mulheres, principalmente, e é natural que dê vontade de ter aquelas mulheres lindas”.
A exibição exaustiva do corpo feminino e da sexualidade, por outro lado, descontenta uns tantos outros telespectadores. A aposentada Necy Teresa, de 68 anos, reclama da avacalhação e banalização do sexo, que a fizeram desistir das novelas. “Não tenho mais coragem de ver, é muito vulgar. Eu prefiro ler um livro”. E opina: “A novela influencia a vida das pessoas porque o ser humano não tem mais personalidade”.
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Segundo a antropóloga e autora do livro O Brasil Antenado , Esther Hamburger, “As novelas se consolidaram como um espaço legítimo para mobilização de diversos modelos de interpretação e re-interpretação da nacionalidade, incluindo modelos de estrutura familiar e relações de gênero”. Ainda segundo a antropóloga, “As novelas se oferecem como conexão entre o domínio público da política, forjando um peculiar senso de comunidade nacional”. |
Prova de Amor, TV Record - 2005 |
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E isso aconteceu porque a novela se tornou, durante os anos do regime autoritário, espaço privilegiado para a discussão de questões nacionais. E, talvez pelo número de pessoas que alcança, os assuntos que aborda e o destaque que os temas tratados em uma novela tomam em quase todos os programas da emissora – e inclusive nos outros canais – comumente, assuntos de ordem pública ganham maior relevância doméstica quando são tratados na novela. Inversamente, assuntos referentes à esfera individual dos sujeitos são também legitimados. |
Indústria de sonhos
A teledramaturgia também contribui para a formação de consumidores em potencial, e este consumo não se restringe aos produtos apresentados nos intervalos comerciais e merchandising . Do carro bonito do galã ao corte de cabelo da mocinha, passando pelas belas residências e pelo sonho dourado de um final feliz com um grande amor, a novela vende de tudo, mas, principalmente, o estilo de vida do carioca e do paulistano de classe média-alta.
O engenheiro Alejandro Barrios confirma que já se sentiu influenciado em seus gostos pessoais: “Já comprei vários CDs com as trilhas sonoras das novelas e fiz, ou senti vontade de fazer, a caminhada no calçadão do Leblon ouvindo Velha Infância dos Tribalistas. Quis também fazer um passeio de moto, sem rumo, com a música do Fagner, como fazia o Paco em Da Cor do Pecado ; e andar pelos roseirais de Holambra como em Alma Gêmea . Eu comprei todas essas ilusões e algumas vezes fiquei até mais desapontado, porque o nosso roseiral real é bem diferente do da novela”. |
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Alma Gêmea, TV Globo - 2005 |
A maior parte dos telespectadores, independentemente de classe social, também podem criar a partir das imagens veiculadas pelas novelas desejos de consumo e fantasias. E o problema não está apenas na questão da condição econômica de cada telespectador para realizar esses sonhos, mas na impossibilidade deles serem efetivamente satisfeitos como nos é mostrado e vendido.
Entretanto, isso não chega a ser um problema para a diarista Marlene dos Santos, de 43 anos, telespectadora assídua das novelas do SBT e da Record: “Eu gosto de sonhar com aquelas coisas, ver as casas bonitas, as mansões, gosto de ver os casais naquele romance. Eu queria ter aquilo tudo. E sonhar é bom, sonhar não paga nada”.
Como já disse Walter Benjamin em Magia e Técnica, Arte e Política , quando analisou o envolvimento dos leitores com os romances – gênero que deu origem ao folhetim e à novela – “O romance não é significativo por descrever pedagogicamente um destino alheio, mas porque esse destino alheio, graças à chama que o consome, pode dar-nos o calor que não podemos encontrar em nosso próprio destino”. |
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