Nenhuma política pública de combate à pobreza
pode funcionar sem que sejam estabelecidos critérios
para delimitar qual é o grupo de pessoas que será
o alvo dessa intervenção. No caso da pobreza essa
não é uma tarefa simples, pois não existem
critérios objetivos para definir quem é pobre
e quem não é. Uma das maiores contribuições
para resolver esse problema veio da economista Sonia Rocha,
que ajudou a criar as linhas de pobreza regionalizadas, usadas
amplamente hoje pelo governo e outras instituições
na elaboração de programas sociais. Pesquisadora
do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), no Rio
de Janeiro, e consultora do Banco Mundial em pesquisas sobre
a pobreza no Brasil, Sonia Rocha atualmente desenvolve estudos
sobre questões relativas à distribuição
de renda, pobreza, mercado de trabalho, dedicando-se também
à formulação e avaliação
de programas sociais.
|
Depois
de participar de um seminário no Cebrap, no qual
apresentou os resultados da pesquisa Alguns Aspectos Relativos
à Evolução 2003-2004 da Pobreza e
da Indigência no Brasil, Sonia Rocha deu uma entrevista
à revista diverCIDADE, na qual fala de seu trabalho,
avalia as políticas públicas de combate
à pobreza e indica quais são os melhores
caminhos para resolver o problema. A socióloga
traz também uma boa notícia: segundo os
dados que obteve, a situação social do país
melhorou nos últimos anos. |
Como
surgiu seu interesse pela pobreza e desigualdade no Brasil?
Há quanto tempo você estuda o assunto?
Em
1988, quando fui para o INPES (Instituto de Pesquisa, então
denominação do setor do IPEA que se localiza
no Rio), Régis Bonelli, seu superintendente, vislumbrava
que o tema da pobreza deveria ganhar importância nos
próximos anos, como de fato aconteceu. Pediu-me então
que me dedicasse a desenvolver uma metodologia para definir
e medir pobreza, de forma a gerar indicadores para seu acompanhamento
ao longo do tempo no Brasil. No Encontro da ANPEC em dezembro
daquele ano apresentei a metodologia de estabelecimento de
linhas de indigência e de pobreza para as áreas
metropolitanas, ponto de partida do meu trabalho nesta área.
Sua
pesquisa demonstra que a pobreza e a desigualdade no país
têm diminuído. Porque isso aconteceu? Estamos
no caminho certo?
As
evidências empíricas mais recentes que temos
para o país como um todo, as da PNAD 2004, permitem
dizer que, em nível nacional e em relação
a 2003, reduziu-se tanto a pobreza absoluta como a desigualdade.
Isto se deve tanto ao crescimento econômico 2003-2004,
que permitiu uma expansão relativamente robusta do
número de pessoas ocupadas no mercado de trabalho,
como aos ganhos de renda maiores das pessoas e das famílias
que se situam na base da distribuição de rendimentos.
A retomada sustentada do crescimento seria essencial para
facilitar a redução da pobreza, embora não
se saiba que efeito esta tomada possa ter sobre a desigualdade,
pelo menos no que depende do funcionamento do mercado de trabalho.
Quais
os maiores desafios para se combater a pobreza e a desigualdade?
O que deve ser feito?
Do
meu ponto de vista, os desafios básicos são
essencialmente três. O primeiro é o baixo
nível de escolaridade e a desigualdade educacional
no Brasil. O segundo são os mecanismos institucionais
que limitam os recursos financeiros públicos
para políticas de combate à pobreza e
à desigualdade (Por exemplo, os sistemas previdenciários
funcionam como concentradores de renda). O terceiro,
é a dificuldade de implementar políticas
sociais eficientes e bem focalizadas.
Qual
a importância das linhas regionais de pobreza?
Trata-se
do reconhecimento explícito de que o custo de
vida dos pobres se diferencia conforme os preços
ao consumidor e composição do consumo
das famílias no seu lugar de residência.
Na verdade é intuitivo que o custo de vida do
pobre seja diferente entre, por exemplo, uma metrópole
e uma área rural. |
|
A
educação brasileira está dando conta
de suprir a demanda por trabalhadores mais qualificados?
A
PNAD tem revelado que ocorreu nos últimos anos um declínio
do retorno à educação, isto é,
o ganho adicional no rendimento dos trabalhadores por ano
de estudo são menores do que era no passado recente.
Isto revela que se reduziu a pressão da demanda por
mão-de-obra por trabalhadores mais qualificados no
mercado de trabalho brasileiro. Resta saber se, com a manutenção
do crescimento econômico e expansão da demanda
por mão-de-obra, a qualificação disponível
será adequada. Insuficiência de mão-de-obra
qualificada tem o efeito de aumentar mais que proporcionalmente
o rendimento dos trabalhadores com maior escolaridade, e,
como conseqüência, aumentar a desigualdade de rendimentos
do trabalho.
O
seu trabalho influencia diretamente as políticas públicas?
Acho que sim, o que é muito gratificante, embora isto
ocorra com alguma defasagem temporal. Posso dar alguns exemplos.
Hoje o uso de linhas de indigência e pobreza diferenciadas
por áreas é consensual. Também, praticamente
abandonou-se o uso do coeficiente de Engel arbitrário
para definir linhas de pobreza a partir do valor das linhas
de indigência. Isto é, calculava-se de algum
modo o valor de uma cesta alimentar básica e multiplicava-se
este valor por dois, o que deveria significar o valor de necessário
para atender a todas as despesas (a linha de pobreza). Este
procedimento simplificador e claramente inadequado era importado
dos países que não dispunham de dados sobre
consumo das famílias, mas era um absurdo estatístico
no caso brasileiro, onde se dispõe desde a década
de 70 de informações amostrais detalhadas. Definir
o desenho de programas sociais utilizando a PNAD para fazer
simulações de diferentes opções
também já está incorporado na prática
de política pública, assim como o uso da PNAD
para avaliações de resultados. A proposta no
sentido da racionalização do controle e do controle
de políticas sociais, como o cadastramento de famílias
beneficiárias, que apresentei no início da década
de noventa e foi muito mal recebida, hoje é aceita
sem discussões.
|