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A escola como forma de superar a pobreza

Ao observar o mundo de hoje muitas pessoas e alguns professores da rede pública de ensino afirmam que motivar as crianças e jovens a estudar está cada vez mais difícil. Para os professores em sala de aula isto se tornou ainda mais intenso nos Estados que adotaram a camada progressão continuada, onde o aluno só repete de ano ao final de um ciclo de quatro anos. Para alguns professores existiria uma visão generalizada entre os alunos de que as pessoas que ‘se dão bem na vida’ não parecem ter nenhuma relação com os anos de freqüência à escola e, desta forma, a impressão formada na mente dos alunos seria de uma completa dissociação entre educação e um futuro melhor. Assim, os jogadores de futebol, certos músicos e artistas populares na TV, os traficantes de drogas em regiões pobres, o exemplo dos próprios pais e até mesmo o Presidente da República são utilizados como exemplos de pessoas que ‘se deram bem’ sem ter feito da educação um meio de ascensão social. No outro extremo, também muito se ouve falar do desemprego entre pessoas “até mesmo com faculdade”, reiterando uma vez mais a impressão de que educação não é garantia de bem-estar no futuro. Essas evidências formariam um certo “modelo” nas mentes de nossas crianças de que estudar não faz, afinal, muita diferença.

Muitos argumentos podem ser usados para justificar a importância da educação e que independem das chances de um indivíduo ascender socialmente. Uma nação com pessoas mais escolarizadas incentiva o exercício da cidadania, de cidadãos que têm capacidade de acompanhar, controlar e cobrar ações dos governos (ou de não ser trapaceado facilmente), ter uma visão mais abrangente do mundo, permitir o exercício da sociabilidade ou da convivência em sociedade e por aí vai. Sem negar que a freqüência à escola pode (na verdade, deve) promover todos estes aspectos importantíssimos da vida social, gostaria aqui de apresentar apenas informações sobre o mercado de trabalho atual que, no meu ver, provam que, no Brasil, a educação é sim (ainda) um meio de ascensão social e, por esta razão, o meio mais importante para os pobres terem um futuro melhor.

A verdade é que quando olhamos para as estatísticas, percebemos que tanto nos casos dos jogadores de futebol, de que falei acima, como do desempregado com diploma universitário são exceções à regra. Ao contrário da impressão que possamos ter na atualidade, para a vasta maioria das pessoas quanto maior os anos de estudo, maiores as chances de se conseguir um trabalho melhor remunerado. Ainda que hoje praticamente 100% das crianças de 7 a 14 anos estejam, de fato, freqüentando a escola, o atraso escolar ainda é alto no Brasil. Estimativa da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD) de 2004 mostra que, pelo menos, 13% dos alunos do Ensino Fundamental do Brasil tinham mais de 15 anos de idade. Para São Paulo, a estimativa é que pelo menos 7% das crianças estudando no Ensino Fundamental regular tinham mais de 15 anos de idade. O atraso escolar incentiva o abandono escolar, se não enquanto crianças, num futuro breve, quando os indivíduos terão de procurar por trabalho e, mais tarde, quando estarão formando famílias. E estudar faz sim diferença na renda futura das pessoas.

Nesta mesma pesquisa, PNAD 2004, podemos ver que quanto mais anos de estudo um indivíduo tem, maior é a renda do seu trabalho. Vamos olhar apenas para as pessoas entre 30 e 49 anos de idade que moram em regiões metropolitanas, imaginando que estas já estão bem estabelecidas no mercado de trabalho, pois já teriam passado da difícil fase da primeira inserção no mercado de trabalho quando jovens e nem estariam se preparando para sair dele. Ao final deste artigo está a tabela para maiores detalhes mas o resumo da situação é o seguinte.

As pessoas com 7 anos de estudo, ou seja, aquelas que não haviam completado o Ensino Fundamental, ganhavam, em média, R$ 396,00 por mês. A renda do trabalho daqueles que estudaram um ano a mais (ou que completaram o Ensino Fundamental) era de R$ 500,00. Na média, um ano a mais de estudo gera uma renda extra de mais de R$ 100,00 por mês. No caso do Ensino Médio, o diferencial é ainda maior. As pessoas que haviam completado o Ensino Médio recebiam R$ 733,00 ao passo que e aquelas que não haviam terminado (10 anos de estudo), ganhavam R$ 477,00. Quer saber a renda média do trabalho de quem conseguiu entrar e terminar uma faculdade? Aí vai: R$ 2.400,00. Por estas informações, podemos dizer que um ano a mais na escola faz sim diferença na renda futura do trabalho.

Mas alguém poderia argumentar que isto é apenas uma média da remuneração e isto quer dizer que dentro de cada ano de estudo podem ter muitas pessoas que ganham muito acima destas médias e, assim, mesmo com poucos anos de estudo, existiriam pessoas que ganham sim muito acima do esperado . Vamos tentar responder a essa legítima questão com um exercício simples.

Com base nos mesmos dados (e com a ajuda do demógrafo Haroldo Torres) tentei estimar a proporção de pessoas que ganham acima do esperado. Para isto, primeiro defini o que era “esperado”. O esperado são todas as remunerações que vão até a metade do desvio padrão mais a média. Não precisamos nos deter nos detalhes técnicos da estatística, em termos práticos isto quer dizer que chamei de salário esperado as pessoas, por exemplo, que tinham oito anos de estudo e ganhavam até R$ 1.100,00, ou seja, o dobro da média de R$ 500,00 (mais detalhes na tabela abaixo). Pois bem, mas estou querendo saber, na verdade, qual é proporção de trabalhadores que tinham renda do trabalho acima deste nível esperado, ou seja, ver o total de trabalhadores que mesmo com poucos anos de estudo ganham, hoje em dia, mais do que o esperado. Os resultados são apresentados na última coluna da tabela abaixo com maior detalhes. Uso aqui apenas alguns exemplos.

A proporção de trabalhadores que completaram o Ensino Fundamental (oito anos de estudo) e que ganham acima do esperado (ou seja, ganham mais que R$ 1.100,00) representava apenas 8% destes trabalhadores. Veja que não estamos falando de milionários ou algo parecido. Estamos mostrando que a vasta maioria das pessoas que estudaram até oito anos (ou seja, 92% delas) ganham, no máximo, R$ 1.100,00. Ganhar mais do que isto, com este nível de escolaridade, é uma exceção. O mesmo pode ser observado em praticamente todos os outros anos de estudo. As remunerações que poderiam ser consideradas exceções à regra variam em torno de 8% dos trabalhadores. Note também que a partir do Ensino Médio completo (11 anos de estudo) a proporção de trabalhadores que ganham acima do esperado aumenta. Isto quer dizer que, além de mais anos de estudos aumentar a sua renda do trabalho, ela também aumenta as suas chances de ser exceção à regra, ou seja, de ganhar mais que o esperado.
Por outro lado, é verdade que o desemprego ainda é muito alto e que está difícil encontrar um emprego mesmo para aqueles que completaram o Ensino Médio (11,8% para a RMSP, dados da PED de 2000, desemprego aberto). E isto é especialmente verdadeiro para os mais jovens, que têm mais dificuldades para conseguir o primeiro emprego e registrar a experiência em algum tipo de trabalho. Ainda assim, o desemprego é muito maior para aqueles que abandonaram os últimos anos do Ensino Médio (26% destes estavam desempregados em 2000). Quero chamar a atenção aqui para este fato: são pessoas que freqüentaram o Ensino Médio mas não conseguiram um diploma. O grupo de pessoas com a menor taxa de desemprego está entre aqueles com nível superior completo: 4,3%. Este era o percentual de desempregados com diploma universitário na Região Metropolitana de São Paulo em 2000, ou seja, é verdade que existem desempregados com nível superior completo mas nem preciso dizer que as chances são muito menores em comparação ao restante.

Estas informações também nos mostram como é prejudicial a repetência escolar para o futuro das pessoas e, em especial, das pessoas mais pobres pois, além de desestimular o aluno repetente, incentivando o abandono escolar, a escola, ao não permitir a progressão deste aluno, simplesmente diminui as chances de uma melhor inserção no mercado de trabalho pois, afinal de contas, para se conseguir um emprego, os empregadores não estão interessados em saber se os alunos aprenderam ou não o conteúdo dado nas escolas, eles simplesmente usam duas medidas: o diploma alcançado e a impressão deixada na entrevista.

São por todas essas razões que, acredito, tanto os pais como professores da rede pública de ensino não deveriam se preocupar em responder à pergunta “pra que estudar?”. Da próxima vez que uma de nossas crianças fizer esta pergunta na sala de aula ou durante o jantar, em casa, podemos dizer que se eles não conseguirem ser a exceção à regra, ou seja, jogador de futebol ou Presidente da República, as chances de uma vida melhor no futuro é altamente dependente dos anos de estudo aprovados na escola.

Anos de estudo
Renda média de todos os trabalhos
Renda acima do esperado
% de trabalhadores que recebem acima do esperado
0
R$ 236
R$ 459,18
12,1
1
R$ 231
R$ 534,31
9,7
2
R$ 258
R$ 621,16
7,6
3
R$ 288
R$ 651,23
9,0
4
R$ 377
R$ 905,11
8,1
5
R$ 368
R$ 817,36
8,3
6
R$ 371
R$ 815,99
8,7
7
R$ 396
R$ 910,62
8,2
8
R$ 500
R$ 1.112,22
8,3
9
R$ 400
R$ 932,06
8,2
10
R$ 477
R$ 1.059,33
8,3
11
R$ 733
R$ 1.512,22
10,1
12
R$ 966
R$ 1.868,09
14,1
13
R$ 1.092
R$ 1.982,75
17,7
14
R$ 1.206
R$ 2.133,01
15,6
15
R$ 2.421
R$ 4.305,08
17,8
 
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