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NÚMERO 13
abril – junho de 2007

PARTICIPAÇÃO PÚBLICA E CIDADANIA

MATÉRIAS
> Como funciona o orçamento participativo?

> Jornalismo participativo: o cidadão tomando o (quarto) poder

> Conselhos gestores: espaço para a mudança democrática?
REPORTAGENS
> Sarau da Cooperifa: poética cidadã
> Taboão da Serra, Cooperifa e um livro inédito
SLIDE SHOW
> Subprefeituras: diálogo popular como direcionador das políticas públicas
ENTREVISTA
> Entrevista com Adrián Gurza Lavalle (CEM-CEBRAP), sobre as diferenças entre o "fiel" (lógica da cidadania) e o "padre" (lógica das associações civis)
SP EM DEBATE

> Como você avalia a participação pública do brasileiro? De que formas você participa?

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Entrevista com Adrián Gurza Lavalle
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2 Em uma entrevista, cujo assunto principal foi a relação entre associações civis e os indivíduos, o pesquisador do CEM-Cebrap, Adrián Gurza Lavalle, explicou as diferenças entre o “fiel” (lógica individual) e o “padre” (lógica institucional). Além disso, deu um panorama dessas questões em sua pesquisa comparativa entre São Paulo, Cidade do México e Nova Délhi.

Há  alguma distinção entre o pensamento das associações com o pensamento dos indivíduos?


A distinção entre a lógica institucional e a lógica individual (ou a lógica do cidadão avulso contra a lógica dos cidadãos organizados) é, normalmente, pouco analisada nas análises de sociedade civil. Se formos rever a literatura, ela analisa a sociedade a partir das associações ou vice-versa.

Um exemplo clássico disso nas pesquisas brasileiras é que, a partir dos dados de multiplicação das associações, foi constatada uma mudança da cultura política brasileira. Só que a cultura política diz sobre indivíduos e não sobre a lógica institucional.

Assim, cada uma dessas duas lógicas é independente entre si. Quando você olha a lógica institucional, você tende a analisar dinâmicas que são próprias do jogo interno do campo, as lutas que as associações têm, na busca por legitimidade e qual seria o movimento mais representativo. Ou seja, tem a ver com uma disputa simbólica que está longe do cidadão e perto das pessoas que aspiram representar o povo diante do Estado. Quando se olha para os indivíduos, é possível ver que eles têm motivações muito particulares para irem nas associações e parte razoável dessas motivações não coincidem com as da lógica institucional.

É aqui que entra uma metáfora utilizada por você que diz que as motivações do padre são diferentes das do fiel dentro de uma Igreja?

Se você olhar para o fiel do ponto de vista da Igreja, a Igreja salva o fiel ou faz algum tipo de benefício de caráter espiritual em sua vida. Mas, quando você vê o por quê das pessoas irem na Igreja, há uma diversidade de respostas, sendo que muitas delas não tem nada a ver com o religioso. As pessoas vão na Igreja porque ela é um lugar de socialização, os adolescentes vão lá para paquerar e encontrar amigos. Em uma pesquisa sobre as Igrejas evangélicas, encontramos que as sedes delas são lugares de mobilização para proporcionar ajuda aos seus membros, funcionam de forma fechada proporcionando oportunidades de emprego e até mesmo casamentos dentro da própria rede. Como isso se traduz para uma compreensão dos movimentos sociais, isso depende do movimento estudado. Se você olhar para movimentos específicos como o movimento gay, ele é composto por vários tipos de associações. Essas associações não necessariamente coincidem com o que o cidadão homossexual pensa acerca do mundo. Se você olhar para o conjunto de associações que formam o movimento gay, há uma parte importante e eficiente voltada para lidar com a AIDS, influenciando nas políticas públicas. Agora, eles não têm contato com a população. Isso não é uma crítica, mas serve para significar que não podemos fazer uma tradução imediata dos interesses institucionais para os do cidadão.

Aproveitando esse momento, há nas teorias acerca dos partidos políticos, uma linha que, iniciada por Rosa Luxemburgo, afirma a existência de uma Dialética da Organização e a Espontaneidade.  Você acha possível pensar, atualmente, nesses termos em união ou há uma separação?

Temos muito conhecimento acumulado em relação ao que há por trás da espontaneidade. Quando analisamos a literatura relacionada à participação, à cultura cívica e à cultura política, percebemos que há uma clara relação entre participação e status sócio-econômico. Ou seja, a espontaneidade não é tão espontânea assim. A participação ou a forma de engajamento cívico em assuntos públicos se relacionam fortemente com o status sócio-economico, ou seja, com a maior renda e escolaridade. Isso significa que aqueles que estão claramente representados no sistema político, tendem a participar melhor das instâncias participativistas. No entanto, há uma forte melhoria em outras instâncias da vida quando a pessoa participa de associações. Os indivíduos que participam das associações tendem a participar em muitas outras coisas, criando militância política ou idéias políticas mais claras mesmo naqueles que participam em associações não-políticas. Isso é particularmente claro nas camadas de baixa renda onde aqueles que estão em associações melhoram muito mais sua representação do que aqueles que não estão.

Aqui entramos no ponto no qual as associações podem ser chamadas escolas de cidadania, não é?

No entanto, aqui há um problema. Nós achamos que as associações são escolas de cidadania. É um argumento tradicional. É verdade, porém como há uma relação entre status sócio-econômico e participação, precisamos ver a base. Aqueles que se beneficiam mais da participação, não se beneficiam tanto assim, pois há bloqueios sócio-econômicos que os impedem de participar como deveriam. É uma relação entre “ovo ou galinha” que vai assim: os benefícios da participação no engajamento são maiores para as pessoas de baixa renda, só que são as pessoas de baixa renda que menos tendem a participar, não capturando os benefícios que teriam com isso. No caso do Brasil, esse efeito é claramente associado às associações de bairro. Elas que mais entram na expressão “escolas de cidadania”, pois nelas as pessoas de baixa renda tendem a aumentar sua identificação política. No caso da dialética que você afirmou anteriormente, a espontaneidade ainda é uma questão que precisa ser explicada, já que não é verdade que uma pessoa espontaneamente se dirige a uma associação para participar, tendo várias explicações como status sócio-econômico ou ligação relacional com pessoas de associação causando um recrutamento.

Com enfoque na sua pesquisa comparativa sobre o assunto em São Paulo, na Cidade do México e em Nova Délhi, qual seria a relação entre associações e indivíduos nessas cidades?

Há um exemplo bastante ilustrativo sobre a lógica do cidadão avulso e a lógica institucional. Quando se olha para São Paulo, você encontra a chamada sociedade civil, formada pelas associações civis, de uma forma muito densa, bem organizada, com capacidade de mudar a agenda pública, muito bem financiada e visando o Estado. Quando você olha para o México, as associações civis têm muito menos capacidade de incidência política, poucos espaços de discussão de agenda pública, muito separadas entre si, assim elas não se orientam para o Estado e sim para a própria sociedade. Se você colocar esses panoramas no plano das associações civis e adicionar o segundo layer que é o plano dos indivíduos, em São Paulo, você, que antes diria que há indivíduos ativos, vê que isso não acontece. O cidadão médio é muito menos engajado que o cidadão médio mexicano. A diferença de participação é considerável, sendo que no México é maior que em São Paulo. Em São Paulo, as pessoas que fazem coisas de forma individual, indo sozinhos para os políticos, enquanto que no México, os cidadãos são mais ativos em sociedade, resolvendo por si próprios os seus problemas, mesmo tendo uma sociedade civil “mais fraca”. Lá é um ativismo desligado do Estado. Em Délhi, o panorama é totalmente diferente, pois as associações civis, sem ligação com partidos políticos, basicamente trabalham para buscar os benefícios para a classe média e as classes mais pobres recorrem aos partidos políticos, os principais mediadores de lá. Uma outra coisa que tem lá são as entidades de castas, com forte influência na agenda pública, no entanto, quando você vê o que o cidadão médio faz, eles apenas se reúnem com o chefão (dada) e esse conversa com os partidos. Assim, é um outro universo de participação, diferente daquele do México e do Brasil.

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