NÚMERO 9
SERVIÇOS PÚBLICOS
abr./maio/jun. de 2006
MATÉRIAS
> Estudo avalia acesso dos pobres aos serviços públicos
> Qualidade é o maior desafio após universalização do ensino
VIDEO-REPORTAGENS
> Assista entrevista com a população sobre o acesso aos programas de Transferência de Renda
VIDEO-ENTREVISTAS
> Haroldo Gama Torres fala sobre a pesquisa Radar das Condições de Vida e das Políticas Sociais. Assista o vídeo
> Vera Schattan Coelho, pesquisadora do CEM, relata resultados de pesquisas que indicam diminuição da desigualdade no SUS
ENTREVISTA
> Sonia Rocha, pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), no Rio de Janeiro, fala sobre o problema da pobreza no Brasil
ARTIGO ASSINADO
> A escola como forma de superar a pobreza, por Sandra Gomes, pesquisadora do CEM
SP EM DEBATE
> Perguntamos a especialistas se eles são favoráveis às políticas de transferência de renda
NOTÍCIAS
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Reportagem


Educação
Qualidade é o maior desafio após universalização do ensino
Especialistas sugerem reformas no sistema educacional, como professores mais qualificados e autonomia, principalmente nas escolas da periferia.

Audrey Camargo

A pesquisa sobre o acesso dos pobres aos serviços públicos realizada pelo Centro de Estudos da Metrópole – CEM/Cebrap, apresentada nessa edição, confirmou dados apresentados pelo Ministério da Educação de que o ensino está praticamente universalizado em todo o país. Mas, apesar dos avanços conquistados, o sistema ainda sofre com graves deficiências que prejudicam a qualidade do serviço oferecido.

Profissionais ouvidos pela reportagem apontaram algumas das falhas na organização do sistema educacional: deficitária formação dos professores, falta de investimentos e autonomia das escolas e valores educacionais relativamente pobres que as crianças trazem de suas famílias.

Guiomar Namo de Mello, diretora da Escola Brasileira de Professores (Ebrap), informa que não há focalização de recursos onde mais deveria, a periferia com alta concentração de gente, “O Brasil está relativamente bem organizado em matéria de financiamento, mas o dinheiro é pouco e sempre mal gasto”.

As escolas de periferia, que já são afetadas pelo caos do seu entorno e pela descontinuidade das políticas públicas, sofrem com a falta de investimentos em suas necessidades específicas. Para Mello, “O diretor tinha que ter direitos e critérios para distribuir o dinheiro”.

José Francisco Soares, do grupo de Avaliação e Medidas Educacionais – FAE/UFMG, concorda: “É preciso implementar políticas escolares e ações que ocorram no nível da escola e incentivem a sua autonomia. Essas ações devem ser de cunho pedagógico, gerencial e social. Não há uma única maneira de ensinar, mas várias. Cada escola deve escolher a sua e implementá-la. A liderança e o envolvimento da direção é crucial”.

Outro problema apontado é o funcionamento da pedagogia no Brasil, os cursos universitários são excessivamente teóricos e não há uma mediação do que é aprendido com o que deve ser levado aos alunos. “É considerado que não se deve ensinar mais nada aos professores. Eles têm um curso ruim, entram numa escola em situação de alto risco e o que ele vai inventar? Não tem material para ensinar o professor como dar aula, é considerado ofensivo, os pedagogos se ofendem. Nunca foi discutido o perfil profissional do professor que as universidades querem formar”, aponta Guiomar Mello.

Soma-se a isso a falta de professores em matérias como física, química, matemática e biologia, principalmente nas escolas públicas, onde os salários são menores, o que acarreta uma defasagem na formação desses alunos em relação aos das escolas particulares.

 


Guiomar Nano de Mello

Mas não é apenas a questão salarial que afasta os bons profissionais das escolas da periferia, os professores que conseguem melhor pontuação nos concursos públicos terminam por escolher as melhores escolas, na maior parte das vezes localizadas em regiões centrais mais seguras. Ainda segundo a diretora do Ebrap, “Seria melhor dar um incentivo para os professores que vão para as piores escolas, tanto no município quanto no Estado. Mas no arcabouço político brasileiro os adicionais tendem a ser incorporados e isto é um perigo, por exemplo, para a previdência. Exigiria uma reforma do Estado”.

A evasão e repetência escolares também são preocupantes. Dados apresentados por Mello revelam que 47% das crianças do Estado de Pernambuco não conseguiram passar para a segunda série no ano de 2003 e 52% no Maranhão. Na sua opinião, o problema é a escola não saber trabalhar com os mais pobres.


Francisco Soares

Para combater a falta de incentivo para o estudo, motivada por um ensino ruim e pela falta de perspectiva, é necessária a realização de políticas públicas que visem melhorar o ensino dado a essas crianças; além de ações dirigidas aos pais, para que estes repassem aos seus filhos a importância da educação. “Você tem que ter um jeito de mexer um pouco na cultura da família, nessa cultura do conformismo, do jeitinho brasileiro”, diz Guiomar Mello.

Para Francisco Soares é preciso transformar a escola em um projeto integrado com a comunidade, principalmente nas periferias das grandes cidades. “Mas tudo isto deve ser monitorado pela sociedade através da medida dos resultados escolares dos alunos. E a sociedade deve estar preparada para recompensar financeiramente a equipe da escola.” Haroldo Torres, pesquisador do CEM, concorda: “O Estado pode melhorar o sistema educacional realizando uma avaliação periódica, comparável e sistemática, produzindo estímulos simbólicos e monetários para professores que trabalhem com grupos muito pobres, investindo em infra-estrutura educacional”.

“Para promover a autonomia da escola a Secretaria tem que fortalecer seu sistema de avaliação e monitoramento das escolas. Tem que haver prestação de contas”, diz Guiomar.

Os especialistas, dessa forma, indicam soluções comuns: mais dinheiro do Estado; avaliação, acompanhamento e controle das ações concretizadas e do gasto financeiro; investimento no professor e na metodologia de ensino; além da participação social e familiar, como forma de supressão das deficiências nas escolas, essencialmente as localizadas em regiões mais pobres.

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