A escola como forma de superar a pobreza
por Sandra Gomes
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Ao
observar o mundo de hoje muitas pessoas e alguns professores
da rede pública de ensino afirmam que motivar as
crianças e jovens a estudar está cada vez
mais difícil. Para os professores em sala de aula
isto se tornou ainda mais intenso nos Estados que adotaram
a chamada progressão continuada, onde o aluno só
repete de ano ao final de um ciclo de quatro anos. Para
alguns professores existiria uma visão generalizada
entre os alunos de que as pessoas que ‘se dão
bem na vida’ não parecem ter nenhuma relação
com os anos de freqüência à escola e,
desta forma, a impressão formada na mente dos alunos
seria de uma completa dissociação entre
educação e um futuro melhor. Assim, os jogadores
de futebol, certos músicos e artistas populares
na TV, os traficantes de drogas em regiões pobres,
o exemplo dos próprios pais e até mesmo
o Presidente da República são utilizados
como exemplos de pessoas que ‘se deram bem’
sem ter feito da educação um meio de ascensão
social. No outro extremo, também muito se ouve
falar do desemprego entre pessoas “até mesmo
com faculdade”, reiterando uma vez mais a impressão
de que educação não é garantia
de bem-estar no futuro. Essas evidências formariam
um certo “modelo” nas mentes de nossas crianças
de que estudar não faz, afinal, muita diferença.
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Muitos
argumentos podem ser usados para justificar a importância
da educação e que independem das chances de
um indivíduo ascender socialmente. Uma nação
com pessoas mais escolarizadas incentiva o exercício
da cidadania, de cidadãos que têm capacidade
de acompanhar, controlar e cobrar ações dos
governos (ou de não ser trapaceado facilmente), ter
uma visão mais abrangente do mundo, permitir o exercício
da sociabilidade ou da convivência em sociedade e por
aí vai. Sem negar que a freqüência à
escola pode (na verdade, deve) promover todos estes aspectos
importantíssimos da vida social, gostaria aqui de apresentar
apenas informações sobre o mercado de trabalho
atual que, no meu ver, provam que, no Brasil, a educação
é sim (ainda) um meio de ascensão social e,
por esta razão, o meio mais importante para os pobres
terem um futuro melhor.
A verdade é que quando olhamos para as estatísticas,
percebemos que tanto nos casos dos jogadores de futebol, de
que falei acima, como do desempregado com diploma universitário
são exceções à regra. Ao contrário
da impressão que possamos ter na atualidade, para a
vasta maioria das pessoas quanto maior os anos de estudo,
maiores as chances de se conseguir um trabalho melhor remunerado.
Ainda que hoje praticamente 100% das crianças de 7
a 14 anos estejam, de fato, freqüentando a escola, o
atraso escolar ainda é alto no Brasil. Estimativa da
Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD)
de 2004 mostra que, pelo menos, 13% dos alunos do Ensino Fundamental
do Brasil tinham mais de 15 anos de idade. Para São
Paulo, a estimativa é que pelo menos 7% das crianças
estudando no Ensino Fundamental regular tinham mais de 15
anos de idade. O atraso escolar incentiva o abandono escolar,
se não enquanto crianças, num futuro breve,
quando os indivíduos terão de procurar por trabalho
e, mais tarde, quando estarão formando famílias.
E estudar faz sim diferença na renda futura das pessoas.
Nesta
mesma pesquisa, PNAD 2004, podemos ver que quanto mais anos
de estudo um indivíduo tem, maior é a renda
do seu trabalho. Vamos olhar apenas para as pessoas entre
30 e 49 anos de idade que moram em regiões metropolitanas,
imaginando que estas já estão bem estabelecidas
no mercado de trabalho, pois já teriam passado da difícil
fase da primeira inserção no mercado de trabalho
quando jovens e nem estariam se preparando para sair dele.
Ao final deste artigo está a tabela para maiores detalhes
mas o resumo da situação é o seguinte.
As
pessoas com 7 anos de estudo, ou seja, aquelas que não
haviam completado o Ensino Fundamental, ganhavam, em média,
R$ 396,00 por mês. A renda do trabalho daqueles
que estudaram um ano a mais (ou que completaram o Ensino
Fundamental) era de R$ 500,00. Na média, um ano
a mais de estudo gera uma renda extra de mais de R$ 100,00
por mês. No caso do Ensino Médio, o diferencial
é ainda maior. As pessoas que haviam completado
o Ensino Médio recebiam R$ 733,00 ao passo que
e aquelas que não haviam terminado (10 anos de
estudo), ganhavam R$ 477,00. Quer saber a renda média
do trabalho de quem conseguiu entrar e terminar uma faculdade?
Aí vai: R$ 2.400,00. Por estas informações,
podemos dizer que um ano a mais na escola faz sim diferença
na renda futura do trabalho.
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Mas alguém poderia argumentar que isto é apenas
uma média da remuneração e isto quer
dizer que dentro de cada ano de estudo podem ter muitas pessoas
que ganham muito acima destas médias e, assim, mesmo
com poucos anos de estudo, existiriam pessoas que ganham sim
muito acima do esperado . Vamos tentar responder a essa legítima
questão com um exercício simples.
Com base nos mesmos dados (e com a ajuda do demógrafo
Haroldo Torres) tentei estimar a proporção de
pessoas que ganham acima do esperado. Para isto, primeiro
defini o que era “esperado”. O esperado são
todas as remunerações que vão até
a metade do desvio padrão mais a média. Não
precisamos nos deter nos detalhes técnicos da estatística,
em termos práticos isto quer dizer que chamei de salário
esperado as pessoas, por exemplo, que tinham oito anos de
estudo e ganhavam até R$ 1.100,00, ou seja, o dobro
da média de R$ 500,00 (mais detalhes na tabela abaixo).
Pois bem, mas estou querendo saber, na verdade, qual é
proporção de trabalhadores que tinham renda
do trabalho acima deste nível esperado, ou seja, ver
o total de trabalhadores que mesmo com poucos anos de estudo
ganham, hoje em dia, mais do que o esperado. Os resultados
são apresentados na última coluna da tabela
abaixo com maior detalhes. Uso aqui apenas alguns exemplos.
A proporção de trabalhadores que completaram
o Ensino Fundamental (oito anos de estudo) e que ganham acima
do esperado (ou seja, ganham mais que R$ 1.100,00) representava
apenas 8% destes trabalhadores. Veja que não estamos
falando de milionários ou algo parecido. Estamos mostrando
que a vasta maioria das pessoas que estudaram até oito
anos (ou seja, 92% delas) ganham, no máximo, R$ 1.100,00.
Ganhar mais do que isto, com este nível de escolaridade,
é uma exceção. O mesmo pode ser observado
em praticamente todos os outros anos de estudo. As remunerações
que poderiam ser consideradas exceções à
regra variam em torno de 8% dos trabalhadores. Note também
que a partir do Ensino Médio completo (11 anos de estudo)
a proporção de trabalhadores que ganham acima
do esperado aumenta. Isto quer dizer que, além de mais
anos de estudos aumentar a sua renda do trabalho, ela também
aumenta as suas chances de ser exceção à
regra, ou seja, de ganhar mais que o esperado.
Por outro lado, é verdade que o desemprego ainda é
muito alto e que está difícil encontrar um emprego
mesmo para aqueles que completaram o Ensino Médio (11,8%
para a RMSP, dados da PED de 2000, desemprego aberto). E isto
é especialmente verdadeiro para os mais jovens, que
têm mais dificuldades para conseguir o primeiro emprego
e registrar a experiência em algum tipo de trabalho.
Ainda assim, o desemprego é muito maior para aqueles
que abandonaram os últimos anos do Ensino Médio
(26% destes estavam desempregados em 2000). Quero chamar a
atenção aqui para este fato: são pessoas
que freqüentaram o Ensino Médio mas não
conseguiram um diploma. O grupo de pessoas com a menor taxa
de desemprego está entre aqueles com nível superior
completo: 4,3%. Este era o percentual de desempregados com
diploma universitário na Região Metropolitana
de São Paulo em 2000, ou seja, é verdade que
existem desempregados com nível superior completo mas
nem preciso dizer que as chances são muito menores
em comparação ao restante.
Estas informações também nos mostram
como é prejudicial a repetência escolar para
o futuro das pessoas e, em especial, das pessoas mais pobres
pois, além de desestimular o aluno repetente, incentivando
o abandono escolar, a escola, ao não permitir a progressão
deste aluno, simplesmente diminui as chances de uma melhor
inserção no mercado de trabalho pois, afinal
de contas, para se conseguir um emprego, os empregadores não
estão interessados em saber se os alunos aprenderam
ou não o conteúdo dado nas escolas, eles simplesmente
usam duas medidas: o diploma alcançado e a impressão
deixada na entrevista.
São por todas essas razões que, acredito, tanto
os pais como professores da rede pública de ensino
não deveriam se preocupar em responder à pergunta
“pra que estudar?”. Da próxima vez que
uma de nossas crianças fizer esta pergunta na sala
de aula ou durante o jantar, em casa, podemos dizer que se
eles não conseguirem ser a exceção à
regra, ou seja, jogador de futebol ou Presidente da República,
as chances de uma vida melhor no futuro é altamente
dependente dos anos de estudo aprovados na escola.
Anos
de estudo |
Renda
média de todos os trabalhos |
Renda
acima do esperado |
%
de trabalhadores que recebem acima do esperado |
0 |
R$
236 |
R$
459,18 |
12,1 |
1 |
R$
231 |
R$
534,31 |
9,7 |
2 |
R$
258 |
R$
621,16 |
7,6 |
3 |
R$
288 |
R$
651,23 |
9,0 |
4 |
R$
377 |
R$
905,11 |
8,1 |
5 |
R$
368 |
R$
817,36 |
8,3 |
6 |
R$
371 |
R$
815,99 |
8,7 |
7 |
R$
396 |
R$
910,62 |
8,2 |
8 |
R$
500 |
R$
1.112,22 |
8,3 |
9 |
R$ 400 |
R$
932,06 |
8,2 |
10 |
R$
477 |
R$
1.059,33 |
8,3 |
11 |
R$
733 |
R$
1.512,22 |
10,1 |
12 |
R$
966 |
R$
1.868,09 |
14,1 |
13 |
R$
1.092 |
R$
1.982,75 |
17,7 |
14 |
R$
1.206 |
R$
2.133,01 |
15,6 |
15 |
R$
2.421 |
R$
4.305,08 |
17,8 |
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