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NÚMERO 12
janeiro - março de 2007
MEIO AMBIENTE
MATÉRIAS
> Tudo começou com Cubatão – 25 anos de questão ambiental
> A mídia e a represa: briga sobre o destino da Guarapiranga
> Prefeitura deverá criar índice ambiental para a cidade de São Paulo
VÍDEO-REPORTAGEM
> Vila Gilda quer preservar represa, porém falta esgoto e asfalto
SLIDE SHOW
> O lixo no cotidiano paulista
VÍDEO-PERFIL
> Ângela Alonso, coordenadora da Área de Conflitos Ambientais do Cebrap, fala sobre ambientalismo no Brasil
ENTREVISTAS
> Ricardo de Sousa Moretti (UFABC), fala sobre enchentes, piscinões e despoluição dos rios
> Marcel Bursztyn, diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável, na Universidade de Brasília, fala sobre a política ambiental no Brasil
ARTIGO ASSINADO
> Catadores em movimento: políticas e artefatos urbanos em transformação, por Daniel De Lucca, pesquisador do Cem / Cebrap
SP EM DEBATE
> “Qual é a sua opinião acerca da Lei Específica da Bacia do Guarapiranga”?
NOTÍCIAS
> Leia últimas notícias do CEM
Matéria

A MÍDIA E A REPRESA: BRIGA SOBRE O DESTINO DA GUARAPIRANGA
Na Região Metropolitana de São Paulo, o debate acerca da questão ambiental possui lados interessantes. Um dos itens, a preservação da Represa Guarapiranga, chamou nossa atenção para a discussão que ocorreu na grande imprensa.
Rafael Duarte Oliveira Venancio e Francisco Toledo

Depois de 14 meses da sua sanção, a Lei Específica da Bacia do Guarapiranga, que antes era motivo de festa, causou polêmica através de uma repercussão na imprensa escrita. Tudo começou com um e-mail fictício do ex-governador do antigo Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, para o atual governador de São Paulo, José Serra.

Esse texto, escrito por Elio Gaspari em sua coluna na Folha de S. Paulo de 11 de março de 2007, colocava um grande aviso: “Interdite a insânia do seu secretário de Meio Ambiente, Francisco Graziano (como a mim, chamaram-no de Corvo). O moço, associado ao prefeito de sua capital, anuncia a remoção de 30 mil miseráveis que vivem na orla da represa de Guarapiranga”.

Gaspari, usando a imagem do político carioca como fantoche, continua dizendo que louva “o projeto, mas seu colaborador não informa para onde irão as famílias desalojadas, muito menos enuncia o compromisso de instalá-las por perto. Seu centurião enumerou 22 ações previstas para a área. Nenhuma trata do destino dessa gente pobre. Refere-se apenas a ‘abrigos de emergência para apoio a remoções ou desfazimentos’”.

A resposta do Governo foi rápida e logo saiu no “Painel do Leitor” da Folha do dia seguinte. “A coluna de Elio Gaspari de ontem, a respeito da represa de Guarapiranga, acabou prestando um serviço de desinformação aos leitores deste jornal”, avisava Vera Freire, da Assessoria de Imprensa da Secretaria do Meio Ambiente.

Segundo ela, “trata-se de remover, oferecendo moradias novas, cerca de 5 mil famílias -estimativa preliminar das que moram em palafitas, beiradas dos córregos que formam o manancial e nas margens da própria represa- e não 30 mil ‘miseráveis’, como afirma o colunista, que ‘ficariam sem destino e sem moradia’. Uma averiguação cuidadosa teria evitado esse engano. A maioria dessas famílias, é bom esclarecer, corre riscos sanitários e de desabamentos. Ninguém vai piorar de vida”.

Como encerramento, ela declara que “o jornalista omite uma informação essencial aos leitores: ele não esclarece que Guarapiranga fornece água de beber a 3,7 milhões de habitantes da região metropolitana de São Paulo e que a ocupação desenfreada de suas margens já vem de há muito comprometendo esse abastecimento e a saúde da cidade, devido ao esgoto e ao lixo jogados na represa”.

A resposta de Gaspari esteve na sua coluna do domingo seguinte. Personificando Lacerda novamente, diz que “seu aparelho de comunicação zangou-se. Pena. As informações vieram, formalmente, de seu dispositivo. Dele eu havia recebido o texto intitulado ‘Governo e prefeitura apresentam ações concretas para a Guarapiranga’. Lá podia-se ler: ‘A estimativa é que a remoção vá atingir inicialmente cerca de 30 mil moradores’”.

Já que o personagem utilizado era conhecido por sua retórica combativa, Gaspari continua a dizer que, “na contradita, os doutores corrigem: são 5.000 famílias. Brincam de números. Se o senhor e seus palafreneiros querem remover 30 mil pessoas da beira de uma represa para preservá-la, volto a louvar a iniciativa, mas insisto: diga para onde irão. A que distância ficarão do local em que vivem hoje?”.

A notícia que Gaspari se refere pode ser encontrada no site da Secretaria do Meio Ambiente. Assinada por Eli Serenza, deixa claro que “as ações incluem a remoção das habitações que ocupam áreas de preservação, entre 30 e 50 metros da margem dos cursos d’água ou estão localizadas em terrenos com grande declividade.

Os levantamentos realizados indicam que cerca de 30 mil pessoas encontram-se nessa situação e a prefeitura já vem realizando a remoção nos casos das moradias mais recentes e nas situações de desrespeito flagrante, como é o caso de construções localizadas há cerca de 15 metros da represa”.

Nessa mesma semana, uma outra matéria, derivada sobre o mesmo assunto, causou polêmica. A matéria “Um cenário de faroeste”, escrita por Sérgio Duran e publicada no Jornal da Tarde do dia 25 de março de 2007, traçava um panorama dos bairros Vila Gilda, Jardim Aracati e Flórida Paulista. Todos eles estavam às margens da represa Guarapiranga.

Segundo a matéria, esses bairros são dominados pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) e que lá “na Vila Gilda repete o que ocorre na Guarapiranga, há pelo menos 30 anos. Os terrenos são invadidos com a anuência do proprietário, ou por um grileiro. Uma associação é montada - geralmente ligada a um deles - e cobra prestações dos invasores. Aterrar para construir na área da represa que abastece 3,7 milhões de paulistanos, de Santo Amaro, Campo Limpo, Morumbi e Butantã, custa de R$ 60 a R$ 200 mensais. A novidade é a entrada do PCC nas associações. 'Em alguns lugares são eles que cobram, sim', diz um morador que não quer ser identificado. 'Mas são justos na cobrança'”.
Essa notícia repercutiu nos diversos meios de comunicação, principalmente na Internet, aonde notas era redigidas baseadas apenas na apuração de Duran. O próprio jornalista, na matéria original, tinha relatado dificuldades no trabalho de campo para a captação de material.

No entanto, no mesmo dia 25 de março, Sérgio Duran adiciona uma retranca para O Estado de São Paulo sobre a mesma temática. Reintitulada por uma empresa de clipping “Eles gostam de ‘estragar’ a água do ‘pessoal do Morumbi’” (baseando-se no lead da retranca), o jornalista faz um retrato do bairro Vila Muriçoca: “Todos ali sabem que são ilegais e chegam a se divertir com o fato de estarem ‘estragando’ a água que ‘o pessoal do Morumbi’ bebe. Mas afirmam não enxergar outra opção de moradia. "Ah, pode ser o que for, mas eu estou no céu", conta a auxiliar de limpeza Roseli Rezende dos Santos, de 34 anos, que trocou Osasco pela Muriçoca. ‘Melhor do que pagar aluguel’.

Pensando nesse cenário midiático, a revista DiverCIDADE, representada pelos repórteres Rafael Duarte Oliveira Venancio e Francisco Toledo, resolveu escutar o outro lado da questão, tratado meramente como objeto (pela discussão Gaspari-Secretaria do Meio Ambiente) ou como estereótipo (pelas matérias de Sérgio Duran).

Em reportagem publicada nessa edição, fomos até a Vila Gilda, citada por Duran na primeira matéria, para conhecer (e saber se é verdade) a história daqueles que, segundo o repórter da Agência Estado, “gostam de estragar a água do Morumbi”.


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