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NÚMERO 12
janeiro - março de 2007
MEIO AMBIENTE
MATÉRIAS
> Tudo começou com Cubatão – 25 anos de questão ambiental
> A mídia e a represa: briga sobre o destino da Guarapiranga
> Prefeitura deverá criar índice ambiental para a cidade de São Paulo
VÍDEO-REPORTAGEM
> Vila Gilda quer preservar represa, porém falta esgoto e asfalto
SLIDE SHOW
> O lixo no cotidiano paulista
VÍDEO-PERFIL
> Ângela Alonso, coordenadora da Área de Conflitos Ambientais do Cebrap, fala sobre ambientalismo no Brasil
ENTREVISTAS
> Ricardo de Sousa Moretti (UFABC), fala sobre enchentes, piscinões e despoluição dos rios
> Marcel Bursztyn, diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável, na Universidade de Brasília, fala sobre a política ambiental no Brasil
ARTIGO ASSINADO
> Catadores em movimento: políticas e artefatos urbanos em transformação, por Daniel De Lucca, pesquisador do Cem / Cebrap
SP EM DEBATE
> “Qual é a sua opinião acerca da Lei Específica da Bacia do Guarapiranga”?
NOTÍCIAS
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Entrevista

Ricardo de Sousa Moretti
O professor adjunto da Universidade Federal do ABC (UFABC), Ricardo de Sousa Moretti responde perguntas referentes à água no meio urbano. Integrante de um grupo de pesquisa sobre o assunto, Moretti trata sobre piscinões, enchentes e limpeza de rios metropolitanos.

1)Quais são os meios para recuperar a qualidade ambiental dos cursos de água urbanos, foco de seu grupo de pesquisa "Água no meio urbano"?

A recuperação da qualidade ambiental dos cursos d'água urbanos assume hoje um caráter emergencial, de defesa da saúde pública. Em especial, no Estado de São Paulo, a parcela mais urbanizada e industrializada do território coincide com aquela onde o abastecimento de água potável é feito a partir de mananciais superficiais. Os reservatórios e cursos d'água utilizados como mananciais recebem grandes contribuições de rios e córregos que cruzam as cidades. Dessa forma, recuperar a qualidade dos cursos d'água urbanos é recuperar a qualidade da água que bebemos. Serão necessários investimentos massivos em obras de saneamento, em especial para aperfeiçoamento da disposição de resíduos e para tratamento de esgotos e das águas poluídas das primeiras chuvas. Porém, vale destacar que o desafio não se restringe à implantação de obras. Basta lembrar que investimos vários bilhões de reais em tratamento de esgotos na região metropolitana de São Paulo nos últimos 30 anos, na perspectiva de limparmos nossos rios, e é praticamente impossível visualizar um único curso d'água limpo. Tivemos décadas em que as obras foram o objetivo-fim, mesmo que surtissem poucos resultados práticos.

Exemplos como os de grandes estações de tratamento de esgotos que ficaram dezenas de anos ociosas por não se conseguir viabilizar os interceptores que levariam os esgotos até elas, mostram a necessidade de mudar radicalmente as estratégias de investimento e de tomada de decisão sobre os rumos desses investimentos. Ampliar o controle social é fundamental, inclusive como forma de assegurar que os investimentos realizados possibilitem também resultados de curto prazo, na recuperação da qualidade das águas. Por outro lado, será necessário que os gastos em obras sejam acompanhados de um conjunto de medidas não estruturais, entre elas as medidas de caráter educativo que possibilitem que os cidadãos voltem a sentir carinho por seus cursos d'água e se envolvam no conjunto de iniciativas necessárias ao processo de recuperação.


2)Qual é o cenário atual das enchentes urbanas?

Tem-se na região metropolitana de São Paulo uma das maiores extensões de área impermeabilizada do planeta. As soluções clássicas de engenharia hidráulica de retificação e canalização de cursos d'água resolvem localmente o problema, porém transferem para jusante os riscos. As obras pesadas de engenharia realizadas nas calhas dos rios, sozinhas, não conseguirão resolver o problema das enchentes. Um conjunto de medidas voltadas ao controle na fonte, ou seja, na direção da retenção e infiltração das águas antes que atinjam os canais de drenagem e cursos d'água será necessário. Envolve a transformação de estacionamentos em áreas mais permeáveis, a ampliação dos parques e áreas verdes, a construção de pequenos reservatórios para acumulação e infiltração das águas de chuvas nos lotes e nos espaços públicos. São medidas que exigem, evidentemente, a compreensão e um forte engajamento da população. Por outro lado, os bairros afastados das áreas centrais constituem verdadeiras feridas geotécnicas, com grandes extensões terraplenadas, expostas e submetidas a processos intensos de erosão que, juntamente com o transporte hidráulico dos demais resíduos urbanos, provocam contínuo processo de assoreamento dos canais de drenagem e cursos d'água, comprometendo sua capacidade de escoamento e agravando as enchentes. A recuperação urbanística dos bairros pobres hoje assume uma importância que não se limita à questão social.


3)Os piscinões são, tal qual a propaganda política coloca, a melhor solução para as enchentes?

A retificação e canalização de um rio é obra realizada para ampliar a vazão e a velocidade de condução das águas. A construção de um piscinão é obra realizada para conter a vazão e a velocidade de escoamento das águas. Depois de décadas de grandes investimentos para ampliar as vazões e velocidades de escoamento de nossos córregos e ribeirões, com relação àquelas que ocorrem em seu estado natural, agora teremos novo ciclo de grandes investimentos de obras civis, dessa vez para evitarmos as conseqüências das obras equivocadas que fizemos no passado. Posteriormente, seguindo a tendência internacional, teremos grandes investimentos para “desretificar”, ou seja, para “renaturalizar” nossos cursos d'água. Sem dúvida, as grandes construtoras aprovam os novos ciclos de grandes obras. Sem dúvida, em alguns casos não restará outra alternativa a não ser a implantação dessas obras. Porém, há que se destacar que as obras de retificação e canalização de cursos d'água são obras na contra-mão da história. Necessário também frisar que os piscinões não podem ser identificados como a iniciativa que vai resolver, sozinha, o problema. Se não for ampliada a retenção e infiltração das águas de chuva na fonte, ou seja, nos espaços públicos e nos lotes, dificilmente as estruturas de retenção de água construídas nas calhas dos rios serão suficientes para o equacionamento do problema das enchentes, por maior que sejam os investimentos nesse sentido.
Cumpre também destacar a dificuldade de construção de piscinões nos bairros mais carentes. A construção de piscinões em cursos d'água limpos é bastante diferente da construção desses equipamentos em cursos d'água contaminados por esgotos, lixo e resíduos sólidos provenientes da erosão. Quem conhece o piscinão construído no Pacaembu, em área bastante consolidada em termos de limpeza urbana e coleta de esgotos, tem dificuldade de avaliar a verdadeira armadilha em termos de saúde pública que se manifesta nos piscinões construídos nos bairros mais afastados, que se transformam em depósito de lixo e esgoto a céu aberto.


4)Você crê que grandes rios metropolitanos, como o Tietê e o Pinheiros, poderão ser utilizáveis para banho, abastecimento de água e esportes náuticos novamente?


Rio Pinheiros
A recuperação da água dos grandes rios foi apontada durante muitos anos como o símbolo e meta da ação de melhoria da qualidade ambiental. Optou-se por iniciar as obras em toda a região metropolitana, sem concluí-las em nenhum setor ou micro-bacia hidrográfica. Tratar 50% dos esgotos pode ter resultados bastante diferentes dependendo da opção estratégica adotada- pode-se tratar 50% dos esgotos da cidade e ter praticamente todos os cursos d'água contaminados. Foi o que aconteceu na Região Metropolitana de São Paulo. Ou pode-se optar por tratar completamente os esgotos e encaminhar uma série de medidas de melhoria da qualidade da água em 50% do território - nesse último caso, tem-se recuperada a qualidade de uma parcela significativa dos cursos d'água e existem possibilidades concretas de resgatar o contato com a água limpa, o que potencializa as pressões para que o sistema se conclua em toda a cidade.


Temos defendido que os investimentos e esforços sejam dirigidos no sentido de se conseguir resultados concretos de melhoria da qualidade ambiental dos cursos d'água a curto prazo. Ou seja, sonhamos sim que no futuro possamos ver e conviver com nossos grandes rios limpos. Porém, insistimos na importância e na possibilidade prática de, a curto prazo, estarmos em contato com a água limpa de um afluente do Tietê ou do Pinheiros, onde tenha se completado todo o ciclo de obras e medidas necessárias para a recuperação ambiental da micro-bacia.

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