Ricardo
de Sousa Moretti
O
professor adjunto da Universidade Federal do ABC (UFABC),
Ricardo de Sousa Moretti responde perguntas referentes à
água no meio urbano. Integrante de um grupo de pesquisa
sobre o assunto, Moretti trata sobre piscinões, enchentes
e limpeza de rios metropolitanos.
1)Quais
são os meios para recuperar a qualidade ambiental dos
cursos de água urbanos, foco de seu grupo de pesquisa
"Água no meio urbano"?
|
A
recuperação da qualidade ambiental dos cursos
d'água urbanos assume hoje um caráter emergencial,
de defesa da saúde pública. Em especial,
no Estado de São Paulo, a parcela mais urbanizada
e industrializada do território coincide com aquela
onde o abastecimento de água potável é
feito a partir de mananciais superficiais. Os reservatórios
e cursos d'água utilizados como mananciais recebem
grandes contribuições de rios e córregos
que cruzam as cidades. Dessa forma, recuperar a qualidade
dos cursos d'água urbanos é recuperar a
qualidade da água que bebemos. Serão necessários
investimentos massivos em obras de saneamento, em especial
para aperfeiçoamento da disposição
de resíduos e para tratamento de esgotos e das
águas poluídas das primeiras chuvas. Porém,
vale destacar que o desafio não se restringe à
implantação de obras. Basta lembrar que
investimos vários bilhões de reais em tratamento
de esgotos na região metropolitana de São
Paulo nos últimos 30 anos, na perspectiva de limparmos
nossos rios, e é praticamente impossível
visualizar um único curso d'água limpo.
Tivemos décadas em que as obras foram o objetivo-fim,
mesmo que surtissem poucos resultados práticos.
|
Exemplos
como os de grandes estações de tratamento de
esgotos que ficaram dezenas de anos ociosas por não
se conseguir viabilizar os interceptores que levariam os esgotos
até elas, mostram a necessidade de mudar radicalmente
as estratégias de investimento e de tomada de decisão
sobre os rumos desses investimentos. Ampliar o controle social
é fundamental, inclusive como forma de assegurar que
os investimentos realizados possibilitem também resultados
de curto prazo, na recuperação da qualidade
das águas. Por outro lado, será necessário
que os gastos em obras sejam acompanhados de um conjunto de
medidas não estruturais, entre elas as medidas de caráter
educativo que possibilitem que os cidadãos voltem a
sentir carinho por seus cursos d'água e se envolvam
no conjunto de iniciativas necessárias ao processo
de recuperação.
2)Qual é o cenário atual das enchentes urbanas?
Tem-se
na região metropolitana de São Paulo uma das
maiores extensões de área impermeabilizada do
planeta. As soluções clássicas de engenharia
hidráulica de retificação e canalização
de cursos d'água resolvem localmente o problema, porém
transferem para jusante os riscos. As obras pesadas de engenharia
realizadas nas calhas dos rios, sozinhas, não conseguirão
resolver o problema das enchentes. Um conjunto de medidas
voltadas ao controle na fonte, ou seja, na direção
da retenção e infiltração das
águas antes que atinjam os canais de drenagem e cursos
d'água será necessário. Envolve a transformação
de estacionamentos em áreas mais permeáveis,
a ampliação dos parques e áreas verdes,
a construção de pequenos reservatórios
para acumulação e infiltração
das águas de chuvas nos lotes e nos espaços
públicos. São medidas que exigem, evidentemente,
a compreensão e um forte engajamento da população.
Por outro lado, os bairros afastados das áreas centrais
constituem verdadeiras feridas geotécnicas, com grandes
extensões terraplenadas, expostas e submetidas a processos
intensos de erosão que, juntamente com o transporte
hidráulico dos demais resíduos urbanos, provocam
contínuo processo de assoreamento dos canais de drenagem
e cursos d'água, comprometendo sua capacidade de escoamento
e agravando as enchentes. A recuperação urbanística
dos bairros pobres hoje assume uma importância que não
se limita à questão social.
3)Os piscinões são, tal qual a propaganda
política coloca, a melhor solução para
as enchentes?
A retificação e canalização de
um rio é obra realizada para ampliar a vazão
e a velocidade de condução das águas.
A construção de um piscinão é
obra realizada para conter a vazão e a velocidade de
escoamento das águas. Depois de décadas de grandes
investimentos para ampliar as vazões e velocidades
de escoamento de nossos córregos e ribeirões,
com relação àquelas que ocorrem em seu
estado natural, agora teremos novo ciclo de grandes investimentos
de obras civis, dessa vez para evitarmos as conseqüências
das obras equivocadas que fizemos no passado. Posteriormente,
seguindo a tendência internacional, teremos grandes
investimentos para “desretificar”, ou seja, para
“renaturalizar” nossos cursos d'água. Sem
dúvida, as grandes construtoras aprovam os novos ciclos
de grandes obras. Sem dúvida, em alguns casos não
restará outra alternativa a não ser a implantação
dessas obras. Porém, há que se destacar que
as obras de retificação e canalização
de cursos d'água são obras na contra-mão
da história. Necessário também frisar
que os piscinões não podem ser identificados
como a iniciativa que vai resolver, sozinha, o problema. Se
não for ampliada a retenção e infiltração
das águas de chuva na fonte, ou seja, nos espaços
públicos e nos lotes, dificilmente as estruturas de
retenção de água construídas nas
calhas dos rios serão suficientes para o equacionamento
do problema das enchentes, por maior que sejam os investimentos
nesse sentido.
Cumpre também destacar a dificuldade de construção
de piscinões nos bairros mais carentes. A construção
de piscinões em cursos d'água limpos é
bastante diferente da construção desses equipamentos
em cursos d'água contaminados por esgotos, lixo e resíduos
sólidos provenientes da erosão. Quem conhece
o piscinão construído no Pacaembu, em área
bastante consolidada em termos de limpeza urbana e coleta
de esgotos, tem dificuldade de avaliar a verdadeira armadilha
em termos de saúde pública que se manifesta
nos piscinões construídos nos bairros mais afastados,
que se transformam em depósito de lixo e esgoto a céu
aberto.
4)Você crê que grandes rios metropolitanos, como
o Tietê e o Pinheiros, poderão ser utilizáveis
para banho, abastecimento de água e esportes náuticos
novamente?
Rio
Pinheiros |
A
recuperação da água dos grandes rios
foi apontada durante muitos anos como o símbolo
e meta da ação de melhoria da qualidade
ambiental. Optou-se por iniciar as obras em toda a região
metropolitana, sem concluí-las em nenhum setor
ou micro-bacia hidrográfica. Tratar 50% dos esgotos
pode ter resultados bastante diferentes dependendo da
opção estratégica adotada- pode-se
tratar 50% dos esgotos da cidade e ter praticamente todos
os cursos d'água contaminados. Foi o que aconteceu
na Região Metropolitana de São Paulo. Ou
pode-se optar por tratar completamente os esgotos e encaminhar
uma série de medidas de melhoria da qualidade da
água em 50% do território - nesse último
caso, tem-se recuperada a qualidade de uma parcela significativa
dos cursos d'água e existem possibilidades concretas
de resgatar o contato com a água limpa, o que potencializa
as pressões para que o sistema se conclua em toda
a cidade. |
Temos defendido que os investimentos e esforços sejam
dirigidos no sentido de se conseguir resultados concretos
de melhoria da qualidade ambiental dos cursos d'água
a curto prazo. Ou seja, sonhamos sim que no futuro possamos
ver e conviver com nossos grandes rios limpos. Porém,
insistimos na importância e na possibilidade prática
de, a curto prazo, estarmos em contato com a água limpa
de um afluente do Tietê ou do Pinheiros, onde tenha
se completado todo o ciclo de obras e medidas necessárias
para a recuperação ambiental da micro-bacia.
Versão para
Impressão
|