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DiverCIDADE 14
julho- setembro de 2007

TRANSIÇÕES DA JUVENTUDE

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> De jovens a adultos: a transição em transição

> A Juventude ainda pulsa

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> Etnografias revelam dinâmicas das tribos urbanas
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> Cinco formas de a juventude se organizar politicamente
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Matéria

De jovens a adultos: a transição em transição
Karina Negreiros

Em tempos de fluidez e pós-modernidade,  estamos vivendo um aumento da fragilidade e individualização nas relações, inclusive as laborais, o que determina uma transição nas antigas formas de inserção do jovem na vida adulta

  A cultura de massa dá forma à promoção dos valores juvenis e assimila uma parte das experiências adolescentes. Sua máxima é “sejam belos, sejam amorosos, sejam jovens”. Historicamente, ela acelera o vir-a-ser, ele mesmo acelerado de uma civilização. Sociologicamente, ela contribui para o rejuvenescimento da sociedade. Antropologicamente, ela prolonga a infância e a juventude junto ao adulto. Metafisicamente, ela é um protesto ilimitado contra o mal irremediável da velhice.  (Edgar Morin)

Há pouco mais de cem anos, na França, a escolarização se tornou obrigatória. No Brasil, isso aconteceu há cerca de 70, mas, só para o ensino primário, pois, somente na década de 1990 é que fomos ter a universalização do ensino. É relevante pensar nesses fatos para entender quando a transição do jovem estudante para o jovem trabalhador começou a acontecer. Considerando a vastidão de nossa história, podemos afirmar que é relativamente jovem o sentido social desse processo. E é nesse jovem aspecto da juventude que encontramos a justificativa para que a transição para a vida adulta ainda esteja tão “em transição”.

img É certo que existem diversas outras formas de o jovem se inserir na vida adulta, se é que se pode delimitar de maneira tão linear os processos na vida de um indivíduo. Porém, partindo de uma delimitação necessária à compreensão, podemos lembrar que, segundo a demógrafa  Ana Amélia Camarano¹, “entre o nascimento e a morte, freqüenta-se a escola, trabalha-se, casa-se, constitui-se o próprio domicílio, têm-se filhos, aposenta-se, envelhece-se e morre-se”. Desse conjunto, a maioria dos eventos começam a ser vividos na juventude, não necessariamente nessa ordem, embora seja essa a ordem socialmente esperada.


Ainda nesse conjunto, podemos destacar os eventos que normalmente marcam a transição do “ser jovem” para o “ser adulto”, como a inserção no mercado de trabalho, o casamento e a conseqüente constituição de família e/ou de um domicílio próprio. Mas, esses marcos transitivos não têm acontecido de maneira linear, e, em alguns casos, não têm sequer acontecido.

Exemplos disso, são os jovens que casam e/ou têm filhos, mas não saem da casa dos pais, ou mesmo aqueles que lá permanecem porque estão adiando a entrada para o mercado de trabalho. Um emblema mais desanimador dessa alinearidade é o do jovem, que morre ainda nessa condição, na maioria das vezes violentamente. Jovens, cujas trajetórias de transição “viraram hipótese”, de acordo com a paráfrase de Monteiro Lobato, citada no livro “Transição para a vida adulta ou vida adulta em transição?” (Camarano, 2006: 320). É possível, então, pensar essas transições para e da vida adulta à luz de um olhar que foge ao tradicional, buscando entender os fatores geradores dessa ausência de uma linearidade concretada, como o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho, o aumento da freqüência à escola,  o prolongamento dos estudos (na casa dos pais), a gravidez precoce, entre outros.

O que, de fato, faz um jovem vir a ser adulto? Quando é que se deixa de ser jovem? A resposta para essas perguntas não é única, nem absoluta. Não é poética, nem científica. Pode ser que  nem exista. Mas, em tempos produtivos como os nossos, há que se levar fortemente em consideração, no amadurecimento dos jovens, a independência financeira,  por mais frágil e incerta que possa ser, tanto no início da vida profissional, quanto rumo à aposentadoria.

  A sociedade só se preocupa com o indivíduo na medida em que ele produz. Sabem-no muito bem os jovens. Sua ansiedade no momento de abordar a vida social é simétrica à angústia dos velhos na hora de serem dela excluídos. No ínterim, a rotina se encarrega de mascarar os problemas. O jovem teme a máquina que o vai abocanhar e procura, de quando em quando, defender-se a golpes de paralelepípedos; ao velho, por ela repelido, esgotado e nu, só lhe restam os olhos para chorar. (Simone de Beauvoir, A velhice, 1970)

No supracitado livro do IPEA, capítulo 6, intitulado “Trajetórias inseguras, autonomização incerta: os jovens e o trabalho em mercados sob intensas transições ocupacionais”², a pesquisadora do CEM, Nadya Araújo Guimarães, nos fala da inserção laboral nos dias de hoje e de sua fragilidade, que irá marcar toda uma trajetória não apenas profissional, mas da vida a ser construída a partir dessa inserção.
       
Ora, incerteza, fragilidade e insegurança têm sido, frequentemente, palavras expressadas para caracterizar traços juvenis. Mas, num contexto de alto desemprego e subemprego, tanto para os jovens quanto para os adultos, como poderemos caracterizar o mercado de trabalho e a, quase sempre, inexorável inserção do indivíduo nesse mercado?

  (...)nossos grandes mercados urbanos de trabalho parecem estruturados de forma a ameaçar os trabalhadores jovens com a reprodução duradoura da instabilidade dos empregos precários e da recorrência do desemprego. Longe de se afigurarem como tormentos da inserção “juvenil” a serem ultrapassados com a maturidade profissional, esses riscos estão presentes na ordem do dia do mercado de trabalho também para grande parte dos adultos. (Guimarães, 2006: 173)


Mas, nossos tempos são marcados pela fragilidade e individualização. É assim na inserção familiar. É assim na laboral. É também dessa forma que fluem nossos processos. Casamentos não são mais tão sólidos e inquebráveis como antigamente. Empregos não são mais para toda a vida. A fluidez das relações pós-modernas não iria faltar às etapas do ciclo de vida do cidadão desse tempos.
           
Há no entanto, uma diferenciação que acontece apesar desse compartilhamento de trajetórias inseguras. Como conclui o estudo de Guimarães, essa mesma fragilização de vínculos que todos vivemos contemporaneamente acontece de formas diferentes para faixas etárias diferentes. Isso tem que ser levado em consideração para que apreendamos sua relevância no entendimento e alívio dos problemas sociais daí derivados.

Mas, a certeza reside justamente no incerto. Sabemos que há diferentes transições, de diferentes maneiras, mas, mais importante, reconhecemos que a própria vida é pautada pela transição. Resumindo e em concordância com a conclusão do livro³, enquanto há vida, há transição. A própria vida é uma transição, não importa a idade que temos.



1. Diretora de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Organizou o livro “Transição para a vida adulta ou vida adulta em transição?”, lançado pelo Institutoe no qual este texto é baseado. O livro também conta com a colaboração de diversos pesquisadores, dentre eles, a socióloga Nadya AraújoGuimarães, pesquisadora do Centro de Estudos da Métropole (CEM).

2. Este capítulo foi escrito com base na pesquisa de Nadya Guimarães, junto ao Centro de Estudos da Metrópole (CEM). A pesquisa envolveu o maior mercado metropolitano de trabalho no Brasil, o de São Paulo.

3. Transição para a vida adulta ou vida adulta em transição? / Organizadora Ana Amélia Camarano – Rio de Janeiro: Ipea, 2006.

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