Número Sete - outubro/novembro/dezembro de 2005
Notícias

Coletânea de artigos analisa as novas formas do desemprego

Por meio de comparações intra e internacionais, o livro discute os impactos das novas formas do desemprego sobre as trajetórias no mercado de trabalho e os desafios para as teorias sobre as identidades e a ação coletiva de trabalhadores.

O mercado do trabalho, longe de ser um campo estável, é o lugar das transições, onde indivíduos de diferentes origens se deslocam entre atividades temporárias, trabalho informal ou empregos fixos, tendo nos entremeios a procura por ocupação. É o espaço onde redes constituídas em torno do trabalho se inter-relacionam, sendo acionadas pelos indivíduos em suas trajetórias, compondo um tecido social de identidades em mutação, alimentadas por diversas formas de mobilização e/ou de ação coletiva.

Não à toa, Desemprego: Trajetórias, Identidades, Mobilizações é o título da coletânea de artigos de pesquisadores do Centro de Estudos da Metrópole e de outras instituições de pesquisa, nacionais e internacionais, que acaba de sair pela Editora Senac, na série Trabalho e Sociedade . Os textos que integram a coletânea foram apresentados e discutidos no Seminário Desemprego: Trajetórias, Biografias e Mobilização (USP/Cebrap, 2000), voltado para entender como as mudanças no mercado de trabalho e os vários caminhos pelos quais as relações de trabalho vêm se flexibilizando têm dado lugar a formas e facetas do desemprego, largamente variáveis entre sociedades.

Comparar contextos e percursos (setorialmente, regionalmente ou internacionalmente) é a principal estratégia adotada neste livro, de modo a abrir novas possibilidades para uma análise aprofundada do tema. Por isso mesmo, a publicação está organizada em duas partes: a primeira delas, voltada a apresentar resultados de estudos sobre o Brasil; a segunda, dirigida a apresentar achados dos estudos sobre a França, o Japão e a Itália, as três outras sociedades também focalizadas no Seminário .

No capítulo de introdução, Didier Demazière se debruça sobre o tema central da coletânea - o desemprego –, sublinhando tratar-se de um fenômeno de contornos mutáveis, de uma construção tecida social e subjetivamente. Por isso mesmo, para que o desemprego seja bem interpretado, deve-se tomar em conta não apenas a posição social dos que o vivenciam e falam dele, mas as situações nas quais eles se exprimem e os contextos sociais nos quais vivem e atuam.

A primeira parte da obra, Trajetórias inter-setoriais e mobilidade no mercado de trabalho: comparações intra-nacionais , reúne os três estudos de caso sobre o Brasil, voltados a refletir comparativamente sobre mudanças na estrutura do mercado de trabalho e seus efeitos sobre as trajetórias ocupacionais dos indivíduos. No primeiro deles, Nadya Araujo Guimarães, Adalberto Cardoso e Alvaro Comin analisam as formas da reestruturação industrial ocorrida na primeira metade dos anos 1990 no país e os seus variados impactos sobre as trajetórias dos trabalhadores então demitidos; para tal comparam dois dos principais complexos industriais brasileiros, o da automobilística e o da química. No segundo estudo de caso, Sandra Brandão, Margareth Watanabe, Sinesio Ferreira e Paula Montagner estudam o trânsito entre ocupação, desemprego e inatividade, tal como ocorria no mercado de trabalho da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) nos anos 1990; concluem que ele se mostra extremamente variado e que tal variação pode ser mais bem entendida se tomarmos em conta as diferenças individuais relativas à experiência profissional, instrução, sexo e idade dos indivíduos. Já no terceiro estudo, Valeria Pero focaliza o caso do mercado de trabalho do Rio de Janeiro, indagando como os diferentes tipos de trajetória dos trabalhadores influenciam as suas chances de crescimento profissional, tanto em termos de mobilidade ocupacional, quanto em relação ao salário.

A segunda parte, Trajetórias, formas identitárias e mobilização: comparações internacionais , amplia a discussão em direção a um novo eixo temático, ao associar as mudanças no mercado de trabalho e os novos padrões de trajetórias à reconstrução de “formas identitárias” e às possibilidades de mobilizações e ações coletivas. E studos de caso conduzidos em outros países são trazidos à baila e tornam ainda mais rico o recurso à comparação ao documentarem a existência de variadas configurações internacionais para tais fenômenos. Claude Dubar e Didier Demazière abrem essa parte da coletânea refletindo, à luz do caso francês, sobre o constante processo de recriação das identidades – daí cunharem o termo “formas identitárias”; apontam para a multiplicidade e crescente individualização de tal processo, na contramão da idéia de massificação da identidade do trabalhador, tal como habitualmente fôra caracterizada pela literatura que tratara do período fordista.

É certo que, para os que pensam esses fenômenos tendo em mente a realidade do Brasil, a instabilidade no mercado já se faz perceptível há bastante tempo, visto que a relação de trabalho assalariado, protegido e de longa duração nunca chegou a ser norma universalizada. Já para os que refletem a partir da experiência dos países europeus, por exemplo, a constante flexibilização é uma experiência relativamente nova, que causa desconforto e incertezas, difundidos em todos os segmentos enredados na esfera do trabalho.

Na França, para tomarmos um desses casos, desde o final dos anos 1970, vêm se intensificando as transições ocupacionais, à medida que se constitui o fenômeno do desemprego estrutural e de longa duração, o que compromete a regularidade e a linearidade que marcara as trajetórias ocupacionais dos indivíduos nos chamados “trinta anos gloriosos”, que se seguem à Segunda Grande Guerra e marcam o desenvolvimento capitalista na segunda metade do século XX. Antigos mecanismos de regulação passam, desde a década de 1980, a ser crescentemente questionados. Os pesquisadores, não por acaso, são instados a desenvolver metodologias para caracterizar a novidade dessa situação. É o que ilustra o capítulo de Maria-Teresa Pignoni sobre a experiência francesa de inquéritos longitudinais voltados para acompanhar esse fenômeno das crescentes transições, um desafio para as políticas públicas nos chamados “estados de bem-estar”.

No Japão, o caminho da flexibilização, tanto quanto as formas do desemprego, estiveram marcados pela experiência de dissolver uma outra norma, também fortemente enraizada no pós-guerra, a do chamado “sistema de emprego vitalício”. Tal ruptura se fez duramente visível na década de 1990. Também ali, como detalhadamente documenta Kurumi Sugita, o desemprego atingiu os trabalhadores de modo desigual, recaindo mais fortemente sobre as mulheres e os mais jovens. Mais um paradigma estava sendo quebrado, com o intenso desenvolvimento das formas chamadas “atípicas” de trabalho e de desocupação, a desafiar um caso que se mostrara clássico para os estudos do trabalho pela estabilidade na maneira de incluir os trabalhadores.

Mas, esses processos também modificam as condições em que se forjam os mecanismos de reivindicação de interesses; e o livro se interroga sobre o lugar conferido aos desempregados nessas sociedades, vistos os elos entre a mudança na estrutura de mercados de trabalho e nas formas de expressão de interesses coletivos. Maria-Teresa Pignoni toma duas realidades européias ricas em experiências de organização dos trabalhadores desempregados – a da França e da Itália - para refletir sobre as iniciativas de institucionalização da ação coletiva dos mesmos, tentando compreender a sua gênese e os desafios que se lhe colocaram. Isso leva a autora a se interrogar a um só tempo sobre o lugar conferido aos desempregados em nossas sociedades e sobre as transformações do desemprego e do trabalho na atualidade.

Desemprego: Trajetórias, Identidades, Mobilizações é, assim, um livro que procura enfrentar desafios que instigam não apenas os pesquisadores, mas todas as pessoas imersas no recente contexto do desemprego duradouro e recorrente, que assola os mais diversos países. Como explica Nadya Araújo Guimarães, “os autores que assinam a coletânea estão cônscios de que, para enfrentar tais desafios, há que assumir tanto a necessidade da renovação conceitual, como da inovação nas formas de medir e pesquisar. E o fizeram com a convicção de que o recurso à comparação, em sua variada natureza e em seus diferentes níveis, seria uma ferramenta de primeira hora para elucidar especificidades, pondo o dedo na ferida do que de novo se apresenta, a desafiar nossa compreensão, as nossas formas de ação coletiva e as políticas públicas”.

Nesse sentido, a obra torna-se registro de um período de grandes questionamentos, suscitados por transformações profundas, que a um só tempo desafiam e nutrem a inteligência analítica no campo dos estudos do trabalho. Torna-se, também, um importante instrumento para a compreensão das desigualdades sociais criadas e/ou ampliadas pelo desemprego, um verdadeiro fenômeno social, não apenas pela amplitude com que atinge os indivíduos nas nossas sociedades, mas pela vigência com que se faz presente no imaginário destes, como um dos pontos-chave para a qualidade da vida em sociedade.

Leia a introdução ao livro, escrita por Nadya Araújo Guimarães, pesquisadora do CEM, e por Helena Hirata, pesquisadora do CNRS, editoras de Desemprego: Trajetórias, Identidades, Mobilizações (pedidos à Editora do SENAC, SP e às livrarias da praça)

 

 

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