Como
uma família chefiada por mulheres se relaciona?
Essa
reportagem busca ver duas vozes dissonantes acerca da vida
em família. Enquanto o texto retrata, com um olhar
balzaquiano, a questão nas camadas mais altas, os vídeos
mostram os depoimentos daqueles que estão às
margens.
Reportagem
textual e redação: Rafael Duarte Oliveira
Venancio Vídeo-reportagem: Francisco Toledo
e Audrey Camargo
Além
de uma análise voltada às condições
de emprego e renda, outra questão se mostra pertinente
quando refletimos acerca das mulheres chefes-de-família.
Esse item é o relacionamento com os membros de
sua família, fator discutido não só
pela Ciência, como a Psicologia e a Antropologia,
mas também nas conversas do cotidiano.
Como é a vida em família das mulheres que
chefiam? Chefiar é apenas prover o sustento financeiro
ou está incluso o controle da palavra final na
tomada de decisões? E os filhos? Qual é
a visão destes e sobre eles implicada nesse contexto?
Jogar
luz nessas questões é o objetivo dessa reportagem
híbrida. Sua “metade texto” representa
a tentativa de ver os questionamentos no contexto das camadas
mais altas da população. A escolha aqui pela
representação escrita não é em
vão. Por muito tempo, a escrita foi símbolo
de poder, mas também o instrumento mais utilizado na
crítica da sociedade burguesa.
Já a “metade vídeo” representa a
outra face do cotidiano: as camadas mais baixas. A utilização
desse recurso se baseia na tentativa de provar que a representação
por imagens da periferia não precisa necessariamente
retratar a dor. A tentativa se concentra em escutar e ver
os depoimentos daqueles que não são vistos por
nossa sociedade.
Abaixo, a representação toma destino duplo e
dissonante. Tudo isso não graças às diferenças
entre os personagens, mas sim à construção
texto-imagem possível nesse ambiente virtual.
Stepford
ou Vila Nova Esperança?
Imaginemos uma mesa de café-da-manhã. Nela,
felizes e contentes, estão sentados um homem engravatado
e charmoso; uma mulher penteada e prendada; e um casal de
filhos. Ao seu redor, uma cozinha impecável e a sensação
de um ambiente saudável.
A cena acima representa mais um comercial de margarina do
que a realidade. Já que a vida não é
assim, como mostrou o filme Mulheres Perfeitas (The Stepford
Wives), a segunda metade do século XX inseriu
um elemento novo: “A mamãe deu um ‘deixa-pra-lá’
no papai”. Fenômeno esse visível em todas
as camadas sociais.
Isso significa que podemos pensar na questão da mulher
chefe-de-família como “uma escolha da mulher
não só aquela que apanha, mas também
uma escolha da mulher em tomar conta de si e ter o protagonismo
social e de sua vida”, lembra Tai Castilho, do Instituto
de Terapia Familiar de São Paulo.
Com isso, podemos pensar nos próprios constitutivos
do novo contexto de família. Elementos que permeiam
não só as mulheres chefes-de-família,
mas também aquelas que estão inseridas em um
conceito mais “tradicional” de família.
Em um senso comum acerca da vida de uma mulher chefe-de-família,
acredita-se que é uma vida tumultuada em uma jornada
dupla (trabalho e cuidar da casa), até mesmo tripla
se contarmos a educação dos filhos. Entretanto,
há um novo conceito de amparo: a terceirização.
“A mulher trabalha, é dona do nariz dela e cuida
bem de sua família, pois, além de condições
emocionais, possui o auxílio de outros”, afirma
Castilho. Esses outros podem ser tanto a própria família
como redes sociais, creches, escolas, entre outras. Seria
assim, como deixa claro a pesquisadora, um movimento análogo
ao dos homens que, para terem seu protagonismo, também
terceirizavam, muitas vezes na própria figura da mulher.
Isso significa também uma nova concepção
de família. “A família contemporânea
sofreu uma fragilização da função
parental tanto do homem quanto a da mulher” –
afirma Castilho, que completa – “também
não está mais escrito que a saúde da
família dependa da presença de uma família
‘arrumadinha’”.
Só que isso não é a única questão
dentro das relações interpessoais de uma família.
As próprias condições de vida implicam
em um novo contexto relacional. Um contexto onde o ganho de
espaço talvez implique em afastamento.
Esse novo elemento é a individualização,
ou seja, os membros de uma família, mesmo estando juntos
na mesma casa, parecem que vivem sozinhos. “Há
famílias que possuem cinco televisões, uma para
cada pessoa assistir sozinha o seu programa favorito enquanto
os seus familiares fazem o mesmo em outros cômodos”,
constata Castilho.
Ela, Maria Niuza Fagundes Ferreira e Maria Regina Prata, também
do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo, relataram
que, nas sessões de terapia, os efeitos desse processo
são visíveis. “Nas conversas durante a
terapia, os filhos ficam sabendo de histórias interessantes
de sua própria família por seus pais que não
puderam escutar em casa”, lembram.
Representação apenas de um cotidiano “burguês”
de família ou não, as questões acerca
da terceirização e individualização
estão presentes no cerne da família contemporânea.
Talvez, o que muda são os locais ou as rendas das pessoas,
mas esses fatores permeiam a sociedade.
Porém, outros fatores como a união e a solidariedade
familiar também estão presentes em todos os
níveis sociais. Podemos até pensar que esse
seja um dos motivos da alta procura por terapia familiar e
psicólogos, sejam eles pagos ou não.