Edição Especial
NÚMEROS 10-11
jul.-dez. de 2006
PROTAGONISMO FEMININO E MERCADO DE TRABALHO
> APRESENTAÇÃO
VÍDEO-COBERTURA
> Assista a vídeo-cobertura do colóquio "Novas formas do trabalho e do desemprego: Brasil, Japão e França, numa perspectiva comparada"
VÍDEO-ENTREVISTAS
> Helena Hirata, diretora do laboratório Genre, Travail, Mobilités (GTM), na França, fala sobre a situação da mulher trabalhadora no mundo globalizado
MATÉRIA
> Mulheres trabalhadoras de ontem e de hoje, uni-vos?
SLIDE SHOW
> Trabalho feminino: histórico quadro a quadro
REPORTAGEM HÍBRIDA
> Como uma família chefiada por mulheres se relaciona?
Texto e video contrastam a visão da psicanálise sobre as novas organizações familiares e a realidade das chefes de família de moradoras de Guianazes e Vila Nova Esperança
ARTIGO ASSINADO
> A participação das mulheres na família e no mercado de trabalho: conquistas e desafios futuros, por Márcia Lima, pesquisadora do CEM/Cebrap
> Famílias monoparentais e pobreza, por Sandra Gomes e Thais Pavez, pesquisadoras do CEM / Cebrap
PERFIL
> Cláudia Mesquita, diretora de "Cinco mulheres de Paraisópolis", fala sobre o papel da mulher na favela
RESENHAS
> "O sacrifício" e seu uso típico-ideal na análise do protagonismo feminino
SP EM DEBATE
> Quais são as implicações da mulher como chefe de família para o próprio conceito de família?
NOTÍCIAS
> Leia últimas notícias do CEM
Reportagem

Como uma família chefiada por mulheres se relaciona?

Essa reportagem busca ver duas vozes dissonantes acerca da vida em família. Enquanto o texto retrata, com um olhar balzaquiano, a questão nas camadas mais altas, os vídeos mostram os depoimentos daqueles que estão às margens.

Reportagem textual e redação: Rafael Duarte Oliveira Venancio
Vídeo-reportagem: Francisco Toledo e Audrey Camargo

Além de uma análise voltada às condições de emprego e renda, outra questão se mostra pertinente quando refletimos acerca das mulheres chefes-de-família. Esse item é o relacionamento com os membros de sua família, fator discutido não só pela Ciência, como a Psicologia e a Antropologia, mas também nas conversas do cotidiano.

Como é a vida em família das mulheres que chefiam? Chefiar é apenas prover o sustento financeiro ou está incluso o controle da palavra final na tomada de decisões? E os filhos? Qual é a visão destes e sobre eles implicada nesse contexto?

Jogar luz nessas questões é o objetivo dessa reportagem híbrida. Sua “metade texto” representa a tentativa de ver os questionamentos no contexto das camadas mais altas da população. A escolha aqui pela representação escrita não é em vão. Por muito tempo, a escrita foi símbolo de poder, mas também o instrumento mais utilizado na crítica da sociedade burguesa.

Já a “metade vídeo” representa a outra face do cotidiano: as camadas mais baixas. A utilização desse recurso se baseia na tentativa de provar que a representação por imagens da periferia não precisa necessariamente retratar a dor. A tentativa se concentra em escutar e ver os depoimentos daqueles que não são vistos por nossa sociedade.

Abaixo, a representação toma destino duplo e dissonante. Tudo isso não graças às diferenças entre os personagens, mas sim à construção texto-imagem possível nesse ambiente virtual.

Stepford ou Vila Nova Esperança?

Imaginemos uma mesa de café-da-manhã. Nela, felizes e contentes, estão sentados um homem engravatado e charmoso; uma mulher penteada e prendada; e um casal de filhos. Ao seu redor, uma cozinha impecável e a sensação de um ambiente saudável.

A cena acima representa mais um comercial de margarina do que a realidade. Já que a vida não é assim, como mostrou o filme Mulheres Perfeitas (The Stepford Wives), a segunda metade do século XX inseriu um elemento novo: “A mamãe deu um ‘deixa-pra-lá’ no papai”. Fenômeno esse visível em todas as camadas sociais.

Isso significa que podemos pensar na questão da mulher chefe-de-família como “uma escolha da mulher não só aquela que apanha, mas também uma escolha da mulher em tomar conta de si e ter o protagonismo social e de sua vida”, lembra Tai Castilho, do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo.
Com isso, podemos pensar nos próprios constitutivos do novo contexto de família. Elementos que permeiam não só as mulheres chefes-de-família, mas também aquelas que estão inseridas em um conceito mais “tradicional” de família.



Terceirização ou Redes Sociais?


Em um senso comum acerca da vida de uma mulher chefe-de-família, acredita-se que é uma vida tumultuada em uma jornada dupla (trabalho e cuidar da casa), até mesmo tripla se contarmos a educação dos filhos. Entretanto, há um novo conceito de amparo: a terceirização.
“A mulher trabalha, é dona do nariz dela e cuida bem de sua família, pois, além de condições emocionais, possui o auxílio de outros”, afirma Castilho. Esses outros podem ser tanto a própria família como redes sociais, creches, escolas, entre outras. Seria assim, como deixa claro a pesquisadora, um movimento análogo ao dos homens que, para terem seu protagonismo, também terceirizavam, muitas vezes na própria figura da mulher.
Isso significa também uma nova concepção de família. “A família contemporânea sofreu uma fragilização da função parental tanto do homem quanto a da mulher” – afirma Castilho, que completa – “também não está mais escrito que a saúde da família dependa da presença de uma família ‘arrumadinha’”.
Só que isso não é a única questão dentro das relações interpessoais de uma família. As próprias condições de vida implicam em um novo contexto relacional. Um contexto onde o ganho de espaço talvez implique em afastamento.

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Realidades familiares iguais?

Esse novo elemento é a individualização, ou seja, os membros de uma família, mesmo estando juntos na mesma casa, parecem que vivem sozinhos. “Há famílias que possuem cinco televisões, uma para cada pessoa assistir sozinha o seu programa favorito enquanto os seus familiares fazem o mesmo em outros cômodos”, constata Castilho.
Ela, Maria Niuza Fagundes Ferreira e Maria Regina Prata, também do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo, relataram que, nas sessões de terapia, os efeitos desse processo são visíveis. “Nas conversas durante a terapia, os filhos ficam sabendo de histórias interessantes de sua própria família por seus pais que não puderam escutar em casa”, lembram.
Representação apenas de um cotidiano “burguês” de família ou não, as questões acerca da terceirização e individualização estão presentes no cerne da família contemporânea. Talvez, o que muda são os locais ou as rendas das pessoas, mas esses fatores permeiam a sociedade.
Porém, outros fatores como a união e a solidariedade familiar também estão presentes em todos os níveis sociais. Podemos até pensar que esse seja um dos motivos da alta procura por terapia familiar e psicólogos, sejam eles pagos ou não.

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