A
participação das mulheres na família
e no mercado de trabalho: conquistas e desafios futuros.
Márcia Lima*
As conquistas das mulheres ao longo do século XX marcaram,
de maneira definitiva, os seus rumos para este novo milênio.
As mudanças nas taxas de fecundidade, nos níveis
educacionais e da sua participação no mercado
de trabalho sintetizam o novo papel da mulher na sociedade.
Elas refletem também os avanços no campo jurídico
e na agenda governamental que redundaram no desenvolvimento
de políticas públicas nas mais diversas áreas
como, família, violência, saúde dentre
outras. Nesse breve texto serão abordadas algumas dessas
mudanças e quais são os próximos desafios
em termos de desigualdades.
Em primeiro lugar, há mudanças significativas
no campo da fecundidade. Embora o Brasil apresente, desde
a década de sessenta, uma tendência declinante
em sua taxa de fecundidade, há um peso significativo
das condições socioeconômicas das mulheres
na determinação do número de filhos.
As mulheres que vivem nas áreas rurais, que são
menos escolarizadas e pertencem à família com
baixos rendimentos apresentam uma taxa de fecundidade mais
alta. A mudança mais recente destacada por especialistas
no tema é a redução do número
de filhos desse perfil de mulheres (Berquó e Cavenaghi,
2006).
Ainda no campo familiar, as mulheres vêm aumentando
a sua participação como pessoas de referência
no domicílio. No ano de 2005, 28,5% das famílias
apresentam famílias esse perfil. Está em curso
também uma outra mudança: o crescimento de mulheres
que se declaram pessoas de referência mesmo com a presença
do cônjuge. Em 1995, esse arranjo familiar era declarado
por apenas 3,5% das famílias chefiadas por mulheres;
em 2005 esse percentual passou para 18,6%. Essa mudança
é fruto não só das transformações
da participação feminina no mundo do trabalho,
mas também da redefinição de papéis
no interior da família. Vale lembrar ainda que captar
esse tipo de mudança só é possível
porque também ocorreram transformações
na forma de coletar os dados. A primeira diz respeito ao conceito
de chefe de família. Até o Censo de 1970, a
chefia da unidade domiciliar investigada era sempre atribuída
ao homem.
As mulheres só eram classificadas como chefe de família
em caso de ausência da figura masculina (em geral viúvas,e/ou
separadas). Mais recentemente, essa terminologia foi substituída
por pessoa de referência (Bruschini, 1996). Entretanto,
a divisão das tarefas domésticas ainda é
uma atividade tipicamente feminina reiterando o fenômeno
da dupla jornada: 92% das mulheres ocupadas se envolvem com
os afazeres domésticos enquanto que para os homens
ocupados esse percentual é de 51,6%.
Na esfera educacional, as mulheres têm apresentado um
desempenho melhor do que o dos homens. Elas tem uma média
de anos de estudos superior ao dos homens (principalmente
na área rural) e concentram um maior percentual na
faixa educacional mais alta (mais de onze anos de estudos).
Esse fenômeno ocorre em todas as faixas de idade, exceto
na faixa etária acima de 50 anos.
Embora alguns estudos apontem uma diminuição
dessa tendência, há uma forte segmentação
por sexo quanto às áreas de ingresso no ensino
superior. Segundo o censo educacional de 2003 – que
traz informações sobre os concluintes do ensino
superior por área – há uma predominância
feminina nas áreas de educação (81% dos
concluintes são mulheres), saúde e bem estar
social (72,8%) e Humanidades e artes (67,4%). Esse perfil
influencia de maneira significativa a inserção
desse grupo no mercado de trabalho criando as chamadas ocupações
tipicamente femininas, que são menos valorizadas em
termos de rendimento e status ocupacional.
Tais transformações podem ser sintetizadas na
configuração da participação feminina
no mercado de trabalho em termos de inserção
(crescimento) quanto em termos do seu perfil. Suas taxas de
atividade aumentaram, sobretudo nas faixas etárias
mais velhas e entre as mulheres casadas. Além de apresentarem
uma melhor qualificação educacional do que os
homens, (considerado um dos principais fatores para o crescimento
da sua taxa de participação) essa disparidade
é mais acentuada na população ocupada
do que no total da população brasileira. A título
de ilustração, para o ano de 2005, 41,5% das
mulheres ocupadas, tinham 11 anos ou mais de estudo. Isso
corresponde a 10,5 pontos percentuais acima deste mesmo indicador
para a população masculina.
Embora o quadro seja de otimismo, há muito que se avançar,
principalmente em termos das desigualdades de renda. No mundo
do trabalho, as mulheres enfrentam taxas mais altas de desemprego
e mesmo com todos os diferenciais positivos em termos educacionais,
elas ganham menos. O rendimento médio mensal dos homens
é R$904,80 e das mulheres R$643,50 (rendimento médio
mensal de todos os trabalhos para população
ocupada com mais de 10 anos de idade), que corresponde a 70%
do salário masculino.
Muitas dessas desigualdades são frutos do tipo de inserção.
As mulheres concentram um percentual mais elevado em trabalhadores
não remunerados (9%) e trabalhadores domésticos
(16,9%) do que os homens (5,2% e 0,9% respectivamente). O
serviço doméstico além de apresentar
baixos rendimentos permanece com altas taxas de informalidade:
74% pessoas inseridas nesta ocupação não
têm carteira de trabalho assinada. Entretanto, mesmo
entre os trabalhadores formais, os diferenciais de rendimento
entre homens e mulheres permanecem significativos: o rendimento
médio mensal das mulheres representava 81,5% do auferido
pelos homens, dos empregados com carteira e 68,2% dentre empregados
militares e funcionários públicos. Se controlarmos
tais diferenças em termos de educação
e horas trabalhas, as mulheres com mais de doze anos de estudos
ganham cerca de 62,5% dos salários dos homens com a
mesma escolaridade.
Por fim, há ainda uma outra característica importante
do trabalho feminino que nos leva a um outro desafio em termos
da desigualdade: a desigualdade racial. A literatura que investiga
o trabalho feminino aponta para uma tendência de bi-polaridade:
num primeiro pólo estão concentradas as ocupações
de má qualidade (níveis educacionais, formalização
e renda) e no outro pólo, há um crescimento
significativo, impulsionado pelos avanços educacionais,
da inserção de mulheres em ocupações
não manuais caracterizadas por maior formalização
e melhores rendimentos (Bruschini e Lombardi, 2000). Em linhas
gerais, é possível apreender desse fenômeno
uma linha cor. As mulheres que começam a se movimentar
para ocupações de nível são predominantemente
brancas, enquanto que há uma forte concentração
de mulheres pretas e pardas no serviço doméstico.
*
Márcia Lima é pesquisadora do Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento (Cebrap)
Bibliografia
-
Berquó, Elza and Cavenaghi, Suzana. Fecundidade em
declínio: breve nota sobre a redução
no número médio de filhos por mulher no Brasil.
Novos estudos - CEBRAP, Mar 2006, no.74, p.11-15.
- Bruschini, Cristina (1996). Fazendo as perguntas certas:
como tornar visível a contribuição econômica
das mulheres para a sociedade? II Congresso Latino-americano
de Sociologia do Trabalho. Águas de Lindóia,
1 a 5 de Dezembro. mimeo.
-
Bruschini, Cristina and Lombardi, Maria Rosa A bipolaridade
do trabalho feminino no Brasil contemporâneo. Cad. Pesqui.,
Jul 2000, no.110, p.67-104
- IBGE. Síntese de Indicadores Sociais 2006.
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