Famílias
Monoparentais e Pobreza
Sandra
Gomes e Thais Pavez*
Não só no Brasil como em vários outros
países, cresce a existência de famílias
chefiadas por mulheres, sem cônjuge, e com filhos,
as chamadas famílias monoparentais. São
mulheres que, por várias razões, não
têm e, muitas vezes, preferem não ter, um
companheiro para dividir as tarefas cotidianas de criação
de seus filhos. Embora a chamada família nuclear
ainda forme a vasta maioria das famílias no Brasil,
a solução monoparental com filhos tem crescido
nas últimas décadas. Fenômenos relativamente
recentes como o aumento da participação
da mulher no mercado de trabalho, o aumento da escolaridade
feminina, o crescimento (e aceitação) do
divórcio e separações e a queda no
número de filhos por mulher no Brasil são
alguns dos elementos que explicam a formação
de famílias monoparentais como uma opção
possível no Brasil de hoje. |
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Mas,
como sabemos, nem todas as famílias são iguais.
Mais especificamente, queremos dizer que nem todas as famílias
monoparentais com filhos estão nas mesmas condições
de vida no Brasil. Ainda que o crescimento desse arranjo familiar
tenha se dado em todas as faixas de renda, o crescimento entre
as mulheres pobres foi mais acentuado. De acordo com os dados
da PNAD de 2004 (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios),
nos últimos nove anos a proporção de
famílias monoparentais chefiadas por mulheres elevou-se
de 30% para 37% entre as famílias mais pobres, sendo
que entre as mais ricas o crescimento foi de 10% para 11%.
Como observamos, a presença desse tipo de família
é muito mais freqüente dentre a população
mais pobre das regiões metropolitanas do Brasil. E
como sabemos – aliás, como em praticamente todas
as situações sociais no Brasil –, o impacto
dessa decisão das famílias para o futuro de
suas crianças é totalmente diferente entre famílias
pobres e ricas. É muito simples concordar com isso,
bastando olhar ao nosso redor.
Os
desafios de uma mulher de baixa renda, chefiando uma família
monoparental com filhos, são bem diferentes daqueles
das mulheres que têm, normalmente, maior escolaridade
e podem contar com a ajuda financeira de seus ex-companheiros.
E o desafio, naquilo que nos toca enquanto sociedade, é
a formação e as oportunidades futuras dessas
crianças que estão sendo criadas em condições
sociais muito diferentes. Para as mulheres chefes de família
monoparental, a inserção no mercado de trabalho
é uma necessidade de sobrevivência, para além
de aspectos de realização profissional ou de
visões de igualdade de gênero. Dados da Fundação
Seade (Trabalho & Mulher) mostram que mais de 90% dessas
mulheres estão inseridas no mercado de trabalho –
empregadas ou a procura de emprego ao passo que apenas 50%
das mulheres com mais de um filho em famílias nucleares
estão no mercado de trabalho.
Vê-se,
dessa forma, a importância das políticas públicas
focarem nessa população de mulheres (ou homens,
ainda que mais raro) monoparentais pois, em termos de situações
de precariedade ou vulnerabilidade social, essas famílias
deveriam estar no topo da lista de prioridades das políticas
de proteção social. O Estado brasileiro, até
muito recentemente, não oferecia nenhuma ajuda explícita
as essas mulheres. Como sabemos, boa parte do nosso sistema
de proteção social está vinculado ao
emprego com carteira assinada e também ao acesso de
alguns benefícios previdenciários, em sua maioria
destinados aos idosos e portadores de deficiência. Não
há políticas de renda explícitas para
atingir essas mulheres e dar o apoio necessário para
a criação das crianças. Por exemplo,
embora a oferta de ensino pré-escolar venha aumentando,
segundo os dados da PNAD, 38% das crianças mais pobres
das regiões metropolitanas ainda não freqüentavam
a escola em 2004, sendo que no mesmo ano essa proporção
era de apenas 3% entre os mais ricos.
Mas houve avanços importantes no Brasil recente com
a implantação de políticas de renda mínima,
como o Bolsa-família, que tendem a atender boa parte
dessas famílias. As políticas de aumento de
oferta de creches e pré-escola são também
importantes para essas mulheres na medida em que as liberam
para o mercado de trabalho e viabiliza o acesso a benefícios
atrelados à escola como leite, merenda e, mais recentemente,
programas de transferência de renda. Nesse sentido,
políticas como a do Fundeb – que será
implementado ainda este ano - podem ajudar a aumentar a oferta
de creches e pré-escola públicas e devem ter
impacto positivo para essas mulheres e também na própria
educação de seus filhos, já que há
consenso entre especialistas de educação que
freqüentar a escola cedo tende a produzir melhor performance
escolar no futuro.
É interessante notar que, diferentemente de países
de tradição liberal, essas políticas
de transferências de renda são sempre pensadas
para as famílias e não para os indivíduos.
Infelizmente, a ‘porta de saída’ de um
programa de transferência de renda depende fortemente
da capacidade do Estado de produzir um acompanhamento individual
dos membros dessa família pois não existem receitas
únicas para a superação da condição
de pobreza. É preciso sim ‘ensinar a pescar’,
ao invés de simplesmente ‘dar o peixe’,
mas em rio em que não há peixes para pescar,
as soluções possíveis dependem de um
conjunto amplo de políticas, incluindo aquelas que
estimulem a economia, para esta crescer e gerar empregos.
*Sandra Gomes e Thaís Pavez são pesquisadoras
do Centro de Estudos da Metrópole / Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento (CEM / Cebrap)
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