Edição Especial
NÚMEROS 10-11
jul.-dez. de 2006
PROTAGONISMO FEMININO E MERCADO DE TRABALHO
> APRESENTAÇÃO
VÍDEO-COBERTURA
> Assista a vídeo-cobertura do colóquio "Novas formas do trabalho e do desemprego: Brasil, Japão e França, numa perspectiva comparada"
VÍDEO-ENTREVISTAS
> Helena Hirata, diretora do laboratório Genre, Travail, Mobilités (GTM), na França, fala sobre a situação da mulher trabalhadora no mundo globalizado
MATÉRIA
> Mulheres trabalhadoras de ontem e de hoje, uni-vos?
SLIDE SHOW
> Trabalho feminino: histórico quadro a quadro
REPORTAGEM HÍBRIDA
> Como uma família chefiada por mulheres se relaciona?
Texto e video contrastam a visão da psicanálise sobre as novas organizações familiares e a realidade das chefes de família de moradoras de Guianazes e Vila Nova Esperança
ARTIGO ASSINADO
> A participação das mulheres na família e no mercado de trabalho: conquistas e desafios futuros, por Márcia Lima, pesquisadora do CEM/Cebrap
> Famílias monoparentais e pobreza, por Sandra Gomes e Thais Pavez, pesquisadoras do CEM / Cebrap
PERFIL
> Cláudia Mesquita, diretora de "Cinco mulheres de Paraisópolis", fala sobre o papel da mulher na favela
RESENHAS
> "O sacrifício" e seu uso típico-ideal na análise do protagonismo feminino
SP EM DEBATE
> Quais são as implicações da mulher como chefe de família para o próprio conceito de família?
NOTÍCIAS
> Leia últimas notícias do CEM
Artigo Assinado
Famílias Monoparentais e Pobreza
Sandra Gomes e Thais Pavez*




Não só no Brasil como em vários outros países, cresce a existência de famílias chefiadas por mulheres, sem cônjuge, e com filhos, as chamadas famílias monoparentais. São mulheres que, por várias razões, não têm e, muitas vezes, preferem não ter, um companheiro para dividir as tarefas cotidianas de criação de seus filhos. Embora a chamada família nuclear ainda forme a vasta maioria das famílias no Brasil, a solução monoparental com filhos tem crescido nas últimas décadas. Fenômenos relativamente recentes como o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho, o aumento da escolaridade feminina, o crescimento (e aceitação) do divórcio e separações e a queda no número de filhos por mulher no Brasil são alguns dos elementos que explicam a formação de famílias monoparentais como uma opção possível no Brasil de hoje.

Mas, como sabemos, nem todas as famílias são iguais. Mais especificamente, queremos dizer que nem todas as famílias monoparentais com filhos estão nas mesmas condições de vida no Brasil. Ainda que o crescimento desse arranjo familiar tenha se dado em todas as faixas de renda, o crescimento entre as mulheres pobres foi mais acentuado. De acordo com os dados da PNAD de 2004 (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), nos últimos nove anos a proporção de famílias monoparentais chefiadas por mulheres elevou-se de 30% para 37% entre as famílias mais pobres, sendo que entre as mais ricas o crescimento foi de 10% para 11%. Como observamos, a presença desse tipo de família é muito mais freqüente dentre a população mais pobre das regiões metropolitanas do Brasil. E como sabemos – aliás, como em praticamente todas as situações sociais no Brasil –, o impacto dessa decisão das famílias para o futuro de suas crianças é totalmente diferente entre famílias pobres e ricas. É muito simples concordar com isso, bastando olhar ao nosso redor.

Os desafios de uma mulher de baixa renda, chefiando uma família monoparental com filhos, são bem diferentes daqueles das mulheres que têm, normalmente, maior escolaridade e podem contar com a ajuda financeira de seus ex-companheiros. E o desafio, naquilo que nos toca enquanto sociedade, é a formação e as oportunidades futuras dessas crianças que estão sendo criadas em condições sociais muito diferentes. Para as mulheres chefes de família monoparental, a inserção no mercado de trabalho é uma necessidade de sobrevivência, para além de aspectos de realização profissional ou de visões de igualdade de gênero. Dados da Fundação Seade (Trabalho & Mulher) mostram que mais de 90% dessas mulheres estão inseridas no mercado de trabalho – empregadas ou a procura de emprego ao passo que apenas 50% das mulheres com mais de um filho em famílias nucleares estão no mercado de trabalho.

Vê-se, dessa forma, a importância das políticas públicas focarem nessa população de mulheres (ou homens, ainda que mais raro) monoparentais pois, em termos de situações de precariedade ou vulnerabilidade social, essas famílias deveriam estar no topo da lista de prioridades das políticas de proteção social. O Estado brasileiro, até muito recentemente, não oferecia nenhuma ajuda explícita as essas mulheres. Como sabemos, boa parte do nosso sistema de proteção social está vinculado ao emprego com carteira assinada e também ao acesso de alguns benefícios previdenciários, em sua maioria destinados aos idosos e portadores de deficiência. Não há políticas de renda explícitas para atingir essas mulheres e dar o apoio necessário para a criação das crianças. Por exemplo, embora a oferta de ensino pré-escolar venha aumentando, segundo os dados da PNAD, 38% das crianças mais pobres das regiões metropolitanas ainda não freqüentavam a escola em 2004, sendo que no mesmo ano essa proporção era de apenas 3% entre os mais ricos.
Mas houve avanços importantes no Brasil recente com a implantação de políticas de renda mínima, como o Bolsa-família, que tendem a atender boa parte dessas famílias. As políticas de aumento de oferta de creches e pré-escola são também importantes para essas mulheres na medida em que as liberam para o mercado de trabalho e viabiliza o acesso a benefícios atrelados à escola como leite, merenda e, mais recentemente, programas de transferência de renda. Nesse sentido, políticas como a do Fundeb – que será implementado ainda este ano - podem ajudar a aumentar a oferta de creches e pré-escola públicas e devem ter impacto positivo para essas mulheres e também na própria educação de seus filhos, já que há consenso entre especialistas de educação que freqüentar a escola cedo tende a produzir melhor performance escolar no futuro.
É interessante notar que, diferentemente de países de tradição liberal, essas políticas de transferências de renda são sempre pensadas para as famílias e não para os indivíduos. Infelizmente, a ‘porta de saída’ de um programa de transferência de renda depende fortemente da capacidade do Estado de produzir um acompanhamento individual dos membros dessa família pois não existem receitas únicas para a superação da condição de pobreza. É preciso sim ‘ensinar a pescar’, ao invés de simplesmente ‘dar o peixe’, mas em rio em que não há peixes para pescar, as soluções possíveis dependem de um conjunto amplo de políticas, incluindo aquelas que estimulem a economia, para esta crescer e gerar empregos.

*Sandra Gomes e Thaís Pavez são pesquisadoras do Centro de Estudos da Metrópole / Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEM / Cebrap)

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