Número Seis - julho/agosto/setembro de 2005
Poesia

Verso paulistano revela cores da cidade crua

Como viver num lugar tão cruel e caótico, cercado pela miséria e pela violência, marcado pela segregada e pela desigualdade, sem, mesmo assim, perder o encanto? A resposta está no título que escancara o sentimento que move muitos de nós a apostar nessa cidade apesar de tudo: Paixão por São Paulo – antologia poética paulistana, (Editora Terceiro Nome, 184 páginas, R$ 35), livro organizado pelo poeta, jornalista e publicitário Luiz Roberto Guedes.

De Alice Ruiz a Jorge Mautner, passando por Arnaldo Antunes, Mário de Andrade e Roberto Piva, são nada menos do que 71 poetas, de origens diversas, numa coletânea preciosa de poemas que ao longo de quase um século brotaram no asfalto, crescendo junto com a mancha urbana, desnudando no verso detalhes e sentimentos que passam batido na correria da grande metrópole.

O livro foi tema de um sarau que aconteceu na Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, na Avenida Paulista, no qual diversos poetas do livro declamaram seus poemas. Segue uma amostra a título de tira-gosto.

 

 

AV. Brasil, SP

Frederico Barbosa*

 

flor de farol

colhida às pressas

entre o tédio maquinal da marcha lenta


sinal

de diferença

em meio à indiferença metálica

desses corpos impessoais

na agonia

da imobilidade densa


Semáforo

signo insano

ensaio de abalo sísmico

lente de aumento

no amor e na impaciência


[De rarefatos , Iluminuras, 1988]

* Diretor da Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura

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os trabalhos noturnos

Luiz Roberto Guedes


a noite ressona motores

o caminhão da limpeza pública

ruminarrange caracol de aço

lentamente ao longo das calçadas

os lixeiros de jalecos amarelos

trotando atrás da máquina-mandíbula

vão colhendo os dejetos da urbe

volumes limosos, fardos de sobras

para a bocarra triturante e rápidos

embarcam juntos – num salto exato

para a traseira do caminhão e já

um grito de comando acelera

o motor ao longo da avenida

onde o grito se alonga

em gritocanto, elo de vogais

aboio para um caminhão

|um vaqueiro ilhado na cidade|

 

De Antologia de Poesia do Prêmio Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte , 1992.

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Soneto 501

Urbaniversado (2002)

Glauco Mattoso


Feliz aniversário, Paulicéia!

Do Pátio do Colégio ao infinito,

o imenso não é feio nem bonito:

darás de megalópole uma idéia?


Tens cara de africana ou de européia?

Tens árvore de figo ou de palmito?

Tens catedral de taipa ou de granito?

Tens flor? É rosa, hortênsia ou azaléia?


Te tornas, ano a ano, mais mudada:

quem chega não se encontra com quem parte;

a rua não se avista da sacada.


Poetas não têm jeito de saudar-te;

tu, pois, que cantes, antes de mais nada,

que és obra, em fundo e forma, in progress : arte!

 

 
Versão para Impressão

 

SEGREGAÇÂO

MATÉRIA
>> CEM defende importância do território para uma melhor compreensão da pobreza
REPORTAGEM
>> Comparação entre favelas em Vila Mariana e Perus revela dificuldades de quem mora mais longe

ENTREVISTA

>> Perfil: Haroldo Gama Torres, coordenador da Área de Transferência de Tecnologia

DOCUMENTÁRIO
>> Filme aborda a relação entre moradores de favela na Vila Madalena e entorno rico
TRAILER
>> Veja trecho do filme Vizinhos
ARTIGO ASSINADO
>> Uma nova visão sobre a segregação urbana , por Renata Bichir, pesquisadora do CEM
SP EM DEBATE
>> Moradores das favela de Vila Mariana e Perus contrastam vida nas duas favelas
MAPA
>> Mapa apresenta tour fotográfico das diversas situações sociais em São Paulo
FOTOGRAFIA
>> Quando o carteiro chegar , livro de Mário Rui Feliciani
POESIA
>> Paixão por São Paulo – antologia poética paulistana , livro organizado por Luiz Roberto Guedes
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