Trânsito
Pesquisador critica ênfase em tecnologia de controle do trânsito e defende nova abordagem da mobilidade urbana.
Trânsito em São Paulo |
São Paulo está investindo em equipamentos de alta tecnologia para controle de tráfego antes de resolver problemas básicos como pintar faixas de pedestres e sinalizar as ruas adequadamente. O objetivo do rodízio não é desafogar o fluxo, mas incentivar o uso do carro e a expansão da indústria automobilística. A gestão pública não está conseguindo melhorar o sistema de transporte da cidade porque sequer conhece a necessidade dos cidadãos. Por fim, os paulistanos vivem numa cidade que não oferece oportunidade de escolha no transporte. |
Essas são algumas das opiniões de Renato Balbim, especialista em mobilidade urbana e consultor de Henri Gervaiseau na pesquisa para produção do filme Em Trânsito . Balbim já esteve em países como França, Espanha, Inglaterra e Noruega, estudando as estratégias adotadas para melhorar o trânsito em diversos países, especialmente o uso de sistemas eletrônicos de controle, regulação e fiscalização, tema de sua tese de doutorado. Atualmente, Balbim ocupa o cargo de gerente do Programa de Reabilitação de Centros Urbanos do Ministério das Cidades. A seguir, você acompanha algumas idéias do pesquisador sobre o trânsito em São Paulo.
Estratégias de deslocamento
Um dos maiores problemas do trânsito em São Paulo é que se sabe muito pouco sobre o que faz as pessoas irem de um lugar ao outro. Não existe nenhuma pesquisa que procure entender como e porque o paulistano se desloca, que meio de transporte ele escolhe para isso e porque ele faz essa escolha. A única pesquisa que existe é a chamada pesquisa de origem e destino, que além de não fornecer muitas informações sobre os motivos da viagem, é feita apenas de dez em dez anos.
Ao contrário da visão predominante, o custo não é o único fator que influencia a opção pelo meio de transporte. O tempo, o conforto, ou mesmo questões simbólicas, como o status e a liberdade de se dirigir um carro, também são fatores importantes. Uma pessoa pode optar por gastar mais tempo e dinheiro para andar de carro, como ocorre em Paris, por exemplo, cidade que tem um excelente sistema de transporte público. Favorecer o transporte público não significa que automaticamente haverá menos carros nas ruas, como muitos gestores assumem.
Para melhorar o trânsito em cidades como São Paulo, o primeiro passo é olhar o sistema do ponto de vista do usuário, compreender a estratégia que as pessoas estão usando, e adotar medidas que estimulem as pessoas a usarem modos de deslocamento que melhorem a circulação da cidade como um todo. Nesse sentido, o transporte coletivo será sempre a forma mais eficiente de otimizar a circulação na cidade. |
Interior do ônibus para Ana Rosa |
Transporte democrático
Para os estrategistas diários dos deslocamentos os paulistanos e habitantes das grandes metrópoles em geral, surge de cara um primeiro problema: a cidade praticamente não oferece opções de deslocamento. Poucas pessoas têm o privilégio de se perguntar: será que hoje vou ao trabalho de ônibus, metrô, bicicleta ou a pé?; e quem tem carro geralmente não pensa duas vezes antes de pegar as chaves, a não ser que seja dia do rodízio.
Ponto de ônibus na Av. Santo Amaro, sem nenhuma informação ao usuário |
Além da total prevalência dos automóveis, das dificuldades com o ônibus e escassez de linhas de metrô, a cidade não estimula as pessoas a caminhar ou andar de bicicleta, por exemplo. Para uma pessoa andar a pé, ela vai querer uma calçada bem feita e em boas condições, sombreada, com uma paisagem agradável, equipamentos em bom estado, como bancos e iluminação. Da mesma forma, para optar pela bicicleta e deixar o carro na garagem, a pessoa precisa de uma ciclovia com sinalização adequada e calçada rebaixada, com boas condições de segurança.
Ou seja, a infra-estrutura da cidade afeta as estratégias de deslocamento dos habitantes. O planejamento do trânsito deve ser feito pensando a cidade como um todo, visando a melhoria geral das possibilidades de circulação. Para que isso aconteça é preciso promover vários modelos de meio de transporte e dar às pessoas a oportunidade da escolha. |
Rodízio
O rodízio desafoga o fluxo num primeiro momento, mas isso tem uma contrapartida: com menos trânsito, mais gente passa a optar pelo uso do automóvel. Quem ganha com isso é a indústria automobilística. Não por acaso, o rodízio foi instituído logo depois do plano real, quando houve um aumento na venda de automóveis. Na prática, ele representou uma reserva de espaço viário para a expansão da indústria, em detrimento da qualidade de vida e da eficiência do trânsito, que é sempre maior quando se prioriza o transporte coletivo. |
|
Ao contrário do que parece, o rodízio não restringe o uso do carro, apenas incentiva e reforça o seu uso, numa cidade onde todo o espaço já foi priorizado para o transporte individual. Além de não ajudar, ele ainda cria novos problemas, uma vez que automóveis parados ocupam espaço, poluem o ambiente e representam um prejuízo para seus donos.
Tecnologias de controle
É preciso lembrar que as novas tecnologias são produtos vendidos por empresas multinacionais, que fazem a propaganda de que esses dispositivos vão resolver todos os problemas do trânsito nas grandes cidades. A tecnologia pode ajudar, desde que seja bem utilizada. Hoje, no entanto, os governos locais investem em tecnologia sem ter feito o feijão-com-arroz, que é não só a sinalização, mas medidas básicas como o estudo de fluxo nas principais vias e grandes cruzamentos, e a sincronização dos semáforos de acordo com esses resultados.
|
|
Estação de trem Dom Bosco |
Além disso, muitas vezes os equipamentos instalados não funcionam de forma adequada por falta de conhecimento técnico sobre particularidades do local. Sem conhecer as características da via e o volume de tráfego de acordo com os dias e horários, bem como o comportamento dos condutores, é impossível fazer a sintonia fina de um sinal inteligente. Além disso, problemas comuns como um carro estacionado em fila dupla ou um novo buraco, podem alterar o fluxo, inutilizando os algoritmos que o semáforo usa para reproduzir o comportamento do tráfego. Nesses casos, o sinal inteligente deixa de fazer jus ao nome. |
O pedágio, por sua vez, apontado como solução para restringir a circulação em áreas centrais, poderia ser substituído por uma política de estacionamentos, incluindo os estacionamentos particulares. Quando não há lugar para estacionar, as pessoas deixam de circular na região. Além disso, é mais fácil controlar um objeto parado do que em movimento.
|