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DiverCIDADE 16
janeiro - abril
de 2008

CONJUNTOS HABITACIONAIS

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Matéria
Equipe reconstrói trajetória de projetos brasileiros

Livro vai mostrar inovações trazidas por conjuntos habitacionais brasileiros projetados até os anos 1950

Um capítulo da história dos conjuntos habitacionais brasileiros está para ser recontado, tintim por tintim e com muitas imagens, por Nabil Bonduki e sua equipe de pesquisadores. O grupo reconstrói a trajetória dos projetos da primeira metade do século XX e prepara um livro com mais de 800 páginas para lançar no segundo semestre do ano – “no máximo, no comecinho de 2009”, concede Bonduki.

Serão lembrados e descritos 300 conjuntos habitacionais projetados no Brasil nos anos 1940 e 1950, com fotos da época e da atualidade, além de recursos como maquetes eletrônicas. A obra será patrocinada pela Petrobras, como projeto ligado à preservação do patrimônio histórico.

Para Bonduki, muitos projetos dessa época trouxeram inovações em termos de soluções arquitetônicas, que tiveram impacto internacional e representavam a aplicação dos princípios modernos à moradia de caráter social.  Ele destaca a qualidade dos conjuntos habitacionais produzidos pelos chamados IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensão), no período do Estado Novo e dos governos populistas anteriores ao regime militar instalado em 1964.

Para Bonduki, os conjuntos habitacionais edificados pelos IAPs têm soluções recorrentes, que não foram fruto da ação de um ou outro arquiteto isolado, mas sugerem a grande influência que essa produção sofreu do debate internacional sobre habitação. No entanto, o pesquisador sempre notou certa resistência a analisar e incluir no repertório da arquitetura moderna brasileira a produção ligada à habitação social. É isso que propõe o novo livro. “Trata-se, na verdade, de um desdobramento de minha tese de doutorado. Lá há um capítulo dedicado aos conjuntos habitacionais dessa época. Agora, será um trabalho inteiro dedicado a isso”, explica Bonduki.

No Brasil, houve larga produção de habitação social durante os governos populistas pré-1964, embora a política do período para o setor não seja considerada consistente do ponto de vista de política pública. Isso não quer dizer que ela não seja expressiva quantitativamente e qualitativamente, sustenta Bonduki. Entre 1946 e 1950, por exemplo, os IAPs realizaram obras em grande escala para a época. O instituto mais estruturado nesse campo, o dos industriários, tinha até 1950 elaborado projetos para 36 conjuntos habitacionais, totalizando quase 32 mil unidades, em 13 Estados do país. Alguns dos conjuntos tinham 5.000 unidades.

A recuperação do histórico desses projetos desperta interesse que vai além do exclusivamente arquitetônico. Algumas discussões ajudam a compreender a sociedade brasileira num sentido mais amplo, como sugere o livro Origens da habitação social no Brasil, escrito por Bonduki a partir de sua tese de doutorado.

Nota-se, por exemplo, o avanço da racionalidade nas políticas estatais, sem que isso signifique o abandono do emocionalismo por lideranças de cunho populista. “Dei instruções ao Ministério do Trabalho para que, sem prejuízo das construções isoladas onde se tornarem aconselháveis, estudo e projete grandes núcleos de habitações modestas e confortáveis”, afirmou o presidente Getúlio Vargas, em discurso feito em 1938. “Recomendei para isso que se adquiram grandes áreas de terrensoe , se preciso, que se desapropriem as mais vantajosas; que se proceda à avalição das mesmas; que se levem em consideração os meios de transporte para esses núcleos; que se racionalizem os métodos de construção; que se adquiram os materiais, diretamente, do produtor; tudo, enfim, de modo a se obter, pelo menor preço, a melhor casa.”

Outro exemplo: a influência da igreja católica nos anos 1940, que teve repercussões nos projetos de moradia social. Os católicos procuravam preservar a família do que consideravam a promiscuidade e os contatos perigosos com os espaços públicos e a rua. O modelo habitacional baseado na casinha individual e familiar estava mais próximo do desejado, mas inovações modernas passaram por releitura que permitiu o avanço da verticalização nas construções populares.

Foi assim que os pilotis – colunas que liberam a área no térreo do edifício para área de lazer – puderam ser defendidos até por arquitetos sob influência católica. “Não tendo do que se ocupar, na falta de melhor meio social, o operário é naturalmente atraído pelas ‘rodas’ nos botequins, onde imperam os vícios e os maus costumes”, avisava, no final dos anos 1930, o arquiteto Rubens Porto, católico ligado ao Ministério do Trabalho e responsável pela normatização dos conjuntos habitacionais construídos pelos IAPs. “Os ‘pilotis’ resolvem, portanto, mais este problema, aliás de alta relevância social, de vez que naquela área agradável e amena, em constante contato com a natureza, os homens podem se reunir à noite e nas suas horas de lazer, organizando diversões, jogo, palestras etc.”

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