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DiverCIDADE 16
janeiro - abril
de 2008

CONJUNTOS HABITACIONAIS

MATÉRIAS

Conjunto habitacional, uma utopia que virou ruína

Na habitação, pneu é trocado com o carro andando
Equipe reconstrói trajetória de projetos brasileiros

Moradia nova para um novo homem

Como o mundo constrói conjuntos habitacionais?

Cidade Tiradentes é tema de pesquisa e filme documentário

Conjuntos habitacionais na grande tela

REPORTAGEM
Em Zaki Narchi, conjunto habitacional mantém moradores próximos ao centro

ENTREVISTA

Moro em Tiradentes dá continuidade a diálogo entre pesquisa e documentário

PERFIL

Marta Arretche fala sobre avaliação do sistema habitacional realizada pelo CEM

ARTIGO ASSINADO

Distâncias geográficas e acercamentos humano, por Tiaraju D’Andrea, pesquisador do CEM

RESENHAS

Economia dos pontos de vista: Pierre Bourdieu e os Conjuntos Habitacionais

NOTÍCIAS
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Entrevista

Moro em Tiradentes dá continuidade a diálogo entre pesquisa e documentário

Em entrevista a diverCIDADE diretores falam sobre produção do filme e influência da pesquisa

Moro naTiradente (57 minutos), de Henri Gervaiseau e Claudia Mesquita, é o quinto filme documentário baseado em pesquisas do Centro de Estudos da Metrópole, e o primeiro de uma série de três filmes sobre a questão habitacional no bairro. O segundo, que já está sendo filmado, vai abordar o mutirão Paulo Freire, movimento auto-gerido de construção de um prédio, e o terceiro as favelas do bairro. O filme é baseado na pesquisa Redes Sociais em Cidade Tiradentes, realizada por Tiarajú D’Andrea, que faz parte da linha de pesquisa sobre sociabilidade urbana coordenada por Ronaldo de Almeida.

Na entrevista a seguir, os diretores, que responderam conjuntamente as perguntas por e-mail, contam que a pesquisa teve uma influência decisiva sobre o resultado final, já que foi à partir dos contatos estabelecidos pelo pesquisador durante a elaboração da etnografia que se estabeleceu a rede de personagens que compõe o filme. Apesar disso, existem também diferenças, já que a maioria dos personagens do filme não participaram diretamente da pesquisa.

Na entrevista, os diretores falam ainda sobre a escolha da temática habitacional, o diálogo com os pesquisadores e as especificidades do processo de pesquisa acadêmica e produção cinematográfica.

1. O filme Cidade Tiradentes é baseado numa pesquisa que trata de diferentes aspectos do bairro, como segurança, cultura, lazer e poder público. Porque a questão da moradia foi escolhida como tema central dessa série de documentários?

Como a própria criação deste bairro pelo poder público correspondeu a uma tentativa de resposta - resposta limitada pelas circunstâncias, ideologias, modelos em voga etc. - ao déficit de moradia na cidade de São Paulo, sabíamos de saída que este aspecto seria central. Era também um dos aspectos fundamentais da pesquisa do Tiaraju d´Andréia, de modo que - desde os relatórios do pesquisador - nos acercamos desta temática quase naturalmente. As diferentes modalidades do "morar" na Cidade Tiradentes (em conjuntos habitacionais, ocupações/favelas ou conjuntos erguidos em mutirões), que configuram experiências distintas de vivência naquele espaço socialmente construído, também pareciam uma via adequada para a divisão do documentário numa série em episódios.

2. Além da escolha do local e da temática, como a pesquisa influenciou a produção do filme?

Fundamentalmente. Fomos apresentados ao local e à temática pelos relatórios da pesquisa, num primeiro momento; e pelo próprio pesquisador, na primeira etapa de reconhecimento do espaço e gravações do documentário. Tiaraju foi nosso primeiro e mais importante guia - através dos contatos que ele já estabelecera no bairro, tecemos nossa primeira rede de relações, que contou com a presença fundamental do "Salgado", assistente de pesquisa e produção, informante local, que também nos foi apresentado pelo Tiaraju. Todo o documentário se construiu a partir deste movimento iniciado pelas relações estabelecidas por Tiaraju. Seria interessante ver o filme resultante, realmente, como um "tecido", no qual quase todos os personagens integram (ou se relacionam com) a rede de contatos de "Salgado", amigo de Hudson, o principal informante de Tiaraju e uma espécie de centro "irradiador" invisível do documentário - que é (ao menos era) bastante conhecido e bem relacionado por lá. 

Quase todos, porque há um personagem, fundamental, Miguel, que nos foi apresentado por Rose, que desenvolve um trabalho voluntário como professora de karaté em Cidade Tiradentes. Há também uma personagem, Helena, que sofreu o despejo pela CDHU, que nos foi apresentada diretamente por Tiaraju. Em suma, as gravações, particularmente com os personagens, resultam de uma série de escolhas influenciadas pela pesquisa antropológica e pela atuação anterior de Tiaraju em Cidade Tiradentes. Mas, claro, as escolhas finais do filme são escolhas de direção, e nos responsabilizamos inteiramente por elas.  

3. O filme começou a ser produzido quando a pesquisa ainda estava em andamento. Até que ponto ponto o filme acompanhou o processo de pesquisa?

Inicialmente, a idéia era que o documentário correspondesse, em parte, a um registro do próprio movimento da pesquisa, acompanhando os encontros, desencontros, decisões, descobertas do pesquisador. Dada a diferença de "momento" e ritmo entre os dois processos, bem como à diferença de "natureza" entre a realização de uma pesquisa acadêmica (processo lento, distendido no tempo) e a realização de um documentário (muitas vezes concentrada, por envolver equipe e equipamentos nem sempre disponíveis), acabamos decidindo por nos basear nas questões da pesquisa, mas por seguir um movimento próprio, um curso paralelo. Há convergências - como a presença de Helena, personagem da pesquisa e do filme - mas também diferenças que conferem autonomia a cada um dos processos e produtos finais. Mas, como já dito, o trabalho de Tiaraju foi fundamental para o curso seguido pelo documentário.
 
  
4. Além das entrevistas, o filme inclui cenas da vida cotidiana - brincadeiras de rua, academia de artes marciais, bares,e no interior das casas os móveis e objetos– compondo um retrato do local. Como surgiu essa idéia de somar detalhes aos depoimentos, e como foi o processo de captar e escolher essas cenas?

Desde o inicio do projeto, nos pareceu fundamental, em primeiro lugar, tentar oferecer ao espectador uma visão do interior das residências dos personagens, dos seus modos de “vestir” ou decorar estes espaços interiores tão exíguos. Por outro lado,  consideramos essencial, neste movimento de aproximação da experiência de morar em Cidade Tiradentes, de registrar cenas do dia a dia em diversas ruas do entorno das moradias destes mesmos personagens.

5.Um dos temas tratados na pesquisa e no documentário é o estigma de violência de Cidade Tiradentes. Que impressão vocês tiveram do bairro? Vocês acham que os entrevistados vivem melhor lá do que viviam antes, ou não?

Por uma série de razões, entre outras, a ausência de alternativas de trabalho e de lazer, à distância do centro expandido da cidade, e o estigma exacerbado de bairro violento e periférico, não é fácil morar em Cidade Tiradentes. Por isso, dois dos personagens do documentário, Lena e Nando, não moram mais, hoje em dia, lá. Simultaneamente, vários outros fizeram da necessidade, vontade, e, apesar das dificuldades e da consciência das necessidades de melhora, gostam de morar em Cidade Tiradentes, onde estabeleceram vínculos afetivos e sociais.  Miguel e Patrícia eram muito pequenos quando mudaram para lá. Fátima, Madalena, e Ivone parecem viver, hoje, melhor lá do que viviam antes, nos lugares onde moravam.

6. Nos documentários anteriores produzidos pelo CEM, foram realizados 3 documentários baseados em 3 pesquisas diferentes em bairros heterogêneos. Agora, são três filmes explorando uma única temática. Qual a razão dessa nova abordagem?

Nos pareceu fundamental aprofundar a exploração de um único território no curso de um período de tempo maior, não apenas para propiciar uma maior aproximação dos personagens e dos seus contextos de vida mas ainda, sempre que possível,  observar a evolução das suas trajetórias existenciais. 

7. Além desta trilogia, está prevista a produção de outros documentários?

Pretendemos aproveitar parte do material gravado para a trilogia, complementado eventualmente por novas gravações, e produzir um novo longa metragem, fruto de um processo de depuração, narrativo e poético, de todo o trabalho de investigação documentário anterior em Cidade Tiradentes.
Temos outros projetos em curso de elaboração, que dialogam com diferentes pesquisas do CEM, sobre os quais poderemos conversar em outra ocasião.

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