No Brasil, na França e em outros países do mundo, os conjuntos habitacionais são tratados em curtas, longas e desenhos animados de diretores estreantes ou consagrados. Aqui, mostramos apenas uma breve amostra de quinze filmes com a temática.

Rafael Duarte Oliveira Venancio

Como qualquer problema social e cenário da vida cotidiana, os conjuntos habitacionais são uma temática presente na produção cinematográfica brasileira e mundial. O exemplo mais recente é o documentário Moro na Tiradentes, de Henri Gervaiseau e Cláudia Mesquita, abordado nessa edição, mas podemos relembrar outros para os interessados no assunto.

Cidade de Deus

Dentro da produção atual, um dos maiores sucessos do cinema nacional, Cidade de Deus tem como pano de fundo a favelização do lugar homônimo. A Cidade de Deus nasceu como um conjunto habitacional, financiado com o dinheiro da Aliança para o Progresso, construído nos anos 60 para abrigar moradores transferidos de 23 favelas da cidade, durante a onda de remoções do governo Carlos Lacerda.

Segundo Ricardo dos Santos Moretti, “as cenas iniciais do filme "Cidade de Deus", que mostram um conjunto habitacional produzido na periferia da cidade na década de 60 e que, posteriormente, vai se transformar em um gueto de pobreza e violência, não é nada diferente dos conjuntos habitacionais que estão sendo hoje produzidos. Por sinal, as cenas iniciais desse filme, que buscam retratar como era o conjunto na década de 60, não foram filmadas em um estúdio, mas em um conjunto recentemente construído na extrema periferia da cidade do Rio de Janeiro. Os mesmos erros têm sido infelizmente repetidos”.

Outro filme foi rodado na Cidade de Deus antes da favelização: o curta documental Deixa Falar, de Iole de Freitas. O tema central é o conflito entre os moradores da Cidade de Deus, de julho a outubro de 1979, mesclando fotos e imagens gravadas no local para confrontar teoria e realidade.

Já entre os curtas ficcionais brasileiros, temos Quando o Tempo Cair, de Selton Mello. O filme mostra três gerações masculinas vivendo em um mesmo apartamento dentro de um conjunto habitacional e acompanhando a luta do avô Ivan para entrar novamente no mercado de trabalho.

A temática do emprego dentro de conjuntos habitacionais é o foco do longa polonês O mundo nos espera, de Robert Krzempek. Nele, Peter, um desempregado de 30 anos, vive sozinho em seu apartamento num conjunto habitacional de Silésia, na região sul da Polônia.
Ele é sustentado por sua mãe, mas quando ela vai para um asilo, Peter precisa mendigar nas ruas. Só que para ela, ele conta que possui um bom emprego. Em meio às mentiras, ele começa uma transformação de caráter.

Também é da Polônia, um longa que trata das mudanças causadas por um conjunto habitacional em uma região. O filme As contas de um rosário, de Kazimierz Kutz, conta a história de um mineiro aposentado que se rebela contra a decisão de uma importante construtora que pretende derrubar uma antiga colônia para dar lugar a conjunto habitacional.
A temática dos conjuntos habitacionais também fascinou o maior cineasta polonês, Krzysztof Kieslowski, que a utilizou para uma de suas obras-primas: Decálogo. São dez episódios com parábolas que traduzem os Dez Mandamentos ao mundo de hoje, em elencos diferentes unidos por duas características comuns: os personagens centrais vivem no mesmo opressivo conjunto habitacional em Varsóvia, e um mesmo e estranho personagem que está presente em todo o Decálogo.

*Something Like Happiness*	Sobre relações dentro de um conjunto habitacional, há vários filmes. O longa mexicano *Corazones Rotos, de Rafael Monteiro, fala do convívio entre os moradores, muitas vezes desconhecidos, desse tipo de moradia. Outro longa, Something Like Happiness*, do tcheco Bohdan Sláma, fala da trajetória de vida de três crianças que crescem juntas em um conjunto habitacional.

De mesmo assunto, temos o curta italiano Ciro, de Stefano Veneruso. O garoto homônimo é um menino que mora num dos precários conjuntos habitacionais da periferia de Nápoles construídos depois do terremoto de 1980. Entre prédios e corredores desprovidos de qualquer conforto, garotos como ele e seu amigo Bertucciello acabam procurando perigosas opções de sobrevivência nas ruas. Juntos, Ciro e Bertucciello vão assaltar motoristas em faróis nas ruas de Nápoles.

Passando para o campo mais diretamente ligado aos conjuntos habitacionais, temos o longa português Juventude em Marcha, de Pedro Costa. Nele, Ventura, um operário cabo-verdiano que mora no subúrbio de Lisboa, é subitamente abandonado por sua esposa Clotilde.
Ele se sente perdido entre o velho quarteirão no qual passou seus últimos 34 anos e seu novo endereço num prédio de baixo custo, recentemente construído num conjunto habitacional. Todas as pobres almas que ele ali encontra parecem se tornar seus próprios filhos. Os cenários são as ruínas do bairro cabo-verdiano de Fontainhas, no noroeste de Lisboa, e o novo bairro Casal da Boba, construído pelo governo nos terrenos da maior lixeira do país. O elenco é formado por atores não-profissionais, que desempenham seus próprios papéis.

Já o filme de Hong Kong, Hollywood, Hong Kong, de Fruit Chan, mostra o conjunto habitacional homônimo no país. Misturando pastiche com drama, mostra uma série de personagens como a prostituta que sonha com os EUA, o vendedor de carne de porco, entre outros. O mesmo tema segue em outro filme do diretor, Made in Hong Kong.
Os filmes estrangeiros que tratam mais diretamente do tema vêm do cinema francês. O curta de animação franco-suíço, HLM Qüiproquó, de Dominique Delachaux-Lambert e Ernest Ansorge, mostra os moradores de um conjunto habitacional (HLM), que nunca se encontraram, lutando contra estranhos eventos.

Já o longa francês Fils de ZUP, de Gilles Romera, trata da vida de dois jovens moradores de uma zona de grandes conjuntos habitacionais (ZUP). A vida a esmo deles muda quando eles encontram uma jovem rica.
No entanto, o filme francês mais lembrado dentro dessa temática não trata exatamente sofre o tema. O filme Alphaville, de Jean-Luc Godard, que filmou sua história distópica de forma que o espectador não tivesse dúvida que fora filmada na Paris de verdade. E um dos personagens principais desse filme é a arquitetura dos HLM.

Até mesmo Hollywood se rendeu à temática. Para tratar do racismo e choque entre subúrbios ricos e conjuntos habitacionais pobres, o filme A Cor de um Crime mostra a história de Brenda Martin, representada por Julianne Moore, que conta para o detetive de polícia de Dempsy, Lorenzo Council (papel de Samuel L. Jackson) - uma terrível história de que teria sido levada de carro para uma pista isolada de uma área não construída que divide os conjuntos habitacionais da cidade de Dempsy da rica comunidade de Gannon, onde ela mora.
Brenda afirma ter sido obrigada a sair de seu carro por um homem negro, mas, durante o depoimento, Council acredita não estar obtendo toda a história. Somente depois de horas de interrogatório é que Brenda finalmente desiste e confessa que seu filho de quatro anos, Cody, estava dormindo no banco traseiro do carro roubado.

Motivados pela ativista Karen Collucci (por Edie Falco), membros das comunidades de Dempsy e de Gannon se unem à procura da criança desaparecida, mas a investigação policial em torno do suposto seqüestro por um suspeito, que se acredita ser um morador local dos pobres conjuntos habitacionais, faz surgir tensões raciais entre as duas cidades a ponto de explodir.

Esses filmes, uma pequena amostra apenas, mostram diversas facetas da realidade desse cenário social. São visões do prisma da Sétima Arte acerca do cotidiano dos conjuntos habitacionais.

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