1

DiverCIDADE 16
janeiro - abril
de 2008

CONJUNTOS HABITACIONAIS

MATÉRIAS

Conjunto habitacional, uma utopia que virou ruína

Na habitação, pneu é trocado com o carro andando
Equipe reconstrói trajetória de projetos brasileiros

Moradia nova para um novo homem

Como o mundo constrói conjuntos habitacionais?

Cidade Tiradentes é tema de pesquisa e filme documentário

Conjuntos habitacionais na grande tela

REPORTAGEM
Em Zaki Narchi, conjunto habitacional mantém moradores próximos ao centro

ENTREVISTA

Moro em Tiradentes dá continuidade a diálogo entre pesquisa e documentário

PERFIL

Marta Arretche fala sobre avaliação do sistema habitacional realizada pelo CEM

ARTIGO ASSINADO

Distâncias geográficas e acercamentos humano, por Tiaraju D’Andrea, pesquisador do CEM

RESENHAS

Economia dos pontos de vista: Pierre Bourdieu e os Conjuntos Habitacionais

NOTÍCIAS
> Leia últimas notícias do CEM
Matéria

Como o mundo constrói conjuntos habitacionais?

A construção de conjuntos habitacionais como solução para o problema da falta de moradia causa discussão no mundo. Enquanto em países pioneiros como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos a prática entra em desuso, em Cingapura e na África do Sul, esse tipo de habitação possui forte apelo popular.

Rafael Duarte Oliveira Venancio

Espirito_santo
“Na grande cidade me realizar, morando em um BNH”, afirmava  São Paulo, São Paulo, uma das músicas-símbolo da metrópole homônima. A música, uma paródia de New York, New York feita pelo grupo “Premeditando o Breque”, tentava captar não só as características paulistanas, mas também os sonhos do cidadão médio. O interessante é perceber que esse sonho de uma casa própria não seria apenas do paulistano, mas de qualquer morador de uma grande cidade há quase 200 anos.

Ora, uma das respostas tradicionais para o problema habitacional, englobando aqui a questão da falta de moradia e da existência de habitações precárias, foi a construção de conjuntos habitacionais pelo Estado. É difícil definir um início preciso para a prática, mas as origens remotam para a França e a Grã-Bretanha do século XIX.

Nos dois países, a franca expansão das cidades começou a desencadear problemas sanitários e insalubridades em diversos bairros operários. Sobre a experiência francesa, o leitor de DiverCIDADE pode ler na resenha do livro A Miséria do Mundo publicada nessa edição. Já acerca dos britânicos, a atividade possui um percurso de auge e de declínio.

Em 1885, graças à pressão de comentadores sociais como Octavia Hill, o Governo britânico começa a construir mecanismos e instituições que levaram à inauguração do Boundary Estate, um dos primeiros conjuntos habitacionais do mundo e que está na ativa até hoje. No entanto, 30 anos antes, filantropistas e industriais chegaram a construir “cidades planejadas” para substituir submoradias operárias, como é o caso de Saltaire, Patrimônio Mundial da UNESCO desde 2001.

Com a I Guerra Mundial e no entre-guerras, a atividade sofre um salto devido ao choque das autoridades e da opinião pública em relação à saúde dos recrutados, provenientes, em sua maioria, das regiões urbanas mais pobres. Mas, com a II Guerra Mundial, a atividade chega em seu auge, pois o processo de reconstrução facilitou a mudança desses bairros, acompanhando o ritmo da renovação das cidades bombardeadas.

No entanto, com a chegada de Margaret Thatcher ao poder, o Partido Conservador, pró-conjuntos habitacionais nos anos 50, começou a incentivar políticas de financiamento e de aquisições privadas de moradia. O chamado “right-to-buy” (direito à compra das unidades de conjuntos habitacionais) entrou em voga e logo tomou conta do Partido Trabalhista, na gestão Tony Blair. A decadência dos conjuntos habitacionais se completa ao serem identificados como regiões de alta criminalidade e pelo fato de algumas companhias habitacionais municipais estarem fechando.

Só que o continente europeu não viu apenas longos programas de construção de conjuntos habitacionais. Alguns países, como a Suécia, fizeram apenas em curtos períodos. O chamado “Miljonprogrammet” (Programa do Milhão) aconteceu entre 1965-1974 e construiu um milhão e seis mil unidades, no entanto causou críticas graças à sua “feiúra de concreto” e  sua similaridade com os prédios da Alemanha Oriental.

Já nos Estados Unidos, os conjuntos habitacionais foram uma das bandeiras do New Deal nos anos 1930. Se, na França, os conjuntos habitacionais uniam aqueles que não queriam ser unidos (como nos diz Pierre Bourdieu em A Miséria do Mundo), os primeiros empreendimentos norte-americanos era segregados. Por exemplo, na Nova York de 1937, enquanto o Harlem River Houses era construída exclusivamente para os negros, a Williamsburg Houses era feita para os brancos.

O “ataque às favelas desse país”, discursado pelo presidente Franklin D. Roosevelt em 1938, ainda era voltado mais para a classe operária branca. A exceção realmente era o Harlem River Houses que só se tornou possível com os movimentos de desobediência civil negra no Harlem em 1935.

Junto com uma pluralização do público-alvo, os anos 60 também representaram uma vertiginosa queda na construção de novas unidades e um processo de guetificação identificado pelo historiador urbano Kenneth T. Jackson, da Universidade de Columbia. O processo de decadência se completa quando o governo Nixon prefere incentivar a iniciativa privada a construir casas deixando o programa de conjuntos habitacionais no esquecimento.

No entanto, há países que os conjuntos habitacionais fazem muito sucesso. Em Cingapura, quase 85% da população mora em tais unidades. Só que há um diferencial, a grande maioria (perto dos 90%) dos moradores acabam comprando do Estado e os apartamentos são consideravelmente maiores do que em outros países.

Para morar em um conjunto habitacional em Cingapura, o destinatário deverá ser natural do país e ter ao menos um familiar também natural ou com visto permanente. Para pedir uma unidade de dois dormitórios, a renda não pode ser maior do que S$ 2000,00 (aproximadamente R$ 2500,00). Três dormitórios, não pode passar dos S$ 3000,00 (aproximadamente R$ 3600,00) e se forem quatro dormitórios não pode ser maior que S$ 4000,00 (aproximadamente R$ 4800,00).

Já na África do Sul, um forte movimento social de moradores de favelas de Durban, o Abahlali baseMjondolo, possui como principal bandeira a construção de conjuntos habitacionais pelo Estado. Formado em 2005, eles conseguiram até boicotar, com grande sucesso, as eleições para o governo local de Março de 2006 com o slogan “Sem Terra, Sem Casa, Sem Voto”.

Como eles mostraram em seu recém-lançado vídeo-manifesto “Dear Mandela”, não há lógica, para os Abahlalis, no despejo de suas casas nos assentamentos provisórios, pois a democracia pós-Apartheid e a Constituição sul-africana os garante o direto à moradia. Após o incêndio que destruiu o assentamento de Foreman Road, em Durban, no dia 26 de dezembro de 2007, o morador e membro do Abahlali, Mnikelo Ndabamkulu, lembra que “isso não é vida. Nós continuaremos a lutar para conseguir casas e não seremos mais vítimas de incêndios como esses”.   
              
           

PARA SABER MAIS:

              

impressa Versão para Impressão