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DiverCIDADE 19
abril-setembro 2009

SAÚDE - DOSSIÊ SUS

MATÉRIAS

SUS 20 anos: avanços e desafios de um sistema único de saúde

Sistema do Brasil é mais próximo do inglês
Os desafios da relação público x privada do SUS

20 anos à frente: velhos e novos desafios

Descentralização, um princípio do SUS
Descentralização com foco em características regionais é saída, aponta pesquisador
Sistema de Saúde ainda convive com a falta de recursos
Cidades Saudáveis: novas formas de promover saúde
A ampliação do conceito de saúde: um outro desafio para o SUS
Conselhos aproximam a população dos administradores

ARTIGO ASSINADO

Poder Judiciário e a Política de Medicamentos, por Fabiola Fanti

ENTREVISTA

‘Atendimento ao negro pelo SUS precisa avançar’

PERFIL

Vera Schattan Coelho: Saúde e democracia junta
NOTÍCIAS
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Perfil

Vera Schattan Coelho

por Gilberto Stam

Saúde e democracia juntas

Envolvimento com a saúde levou a pesquisadora a conhecer melhor o funcionamento das políticas públicas, num primeiro momento, e posteriormente a se envolver com a questão da participação popular e democracia

Vera Schattan Coelho realizou diversas pesquisas sobre políticas públicas em saúde, com temas como distribuição de serviços em regiões menos favorecidas e divisão de recursos entre procedimentos de baixa ou alta complexidade. O contato com a área levou a cientista social a se envolver com uma segunda linha de pesquisa: a participação política. Essa ampliação ocorreu através do contato com os conselhos de saúde, órgãos de participação popular na gestão estabelecidos pelo SUS.

Hoje, a pesquisadora coordena o Núcleo de Cidadania e Desenvolvimento do Cebrap, que através de pesquisas comparativas e oficinas busca fortalecer o diálogo entre círculos acadêmicos, gestores públicos e entidades da sociedade civil. Recentemente, lançou o livro Novos Espaços Democráticos: Perspectivas Internacionais (editado ao lado de Andrea Cornwall e publicado pela Editora Singular). O livro foi produzido pelo Institute of Development Studies (IDS – Institute de Estudos do Desenvolvimento), na Universidade de Sussex, Reino Unido, no qual co-coordena o grupo de pesquisas Deepening Democracies in States and Localities(Democracias Aprofundadas em Estados e Localidades).

Autora de diversos artigos sobre gestão da saúde, reforma previdenciária e participação popular, editou também Reforma da Previdência Social na América Latina (editora FGV); Participação e Deliberação no Brasil Contemporâneo (editado ao lado de Marcos Nobre, Editora 34). Em entrevista para a diverCIDADE, Vera falou sobre sua trajetória acadêmica na área da saúde.

Saúde e políticas públicas

Quando se formou em sociologia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Coelho não imaginava que seus principais temas de pesquisa viriam a ser políticas públicas e participação popular. Sua dissertação de mestrado, In Corpore Sano: o corpo e as diferenças, tratava daprática esportiva de yoga, capoeira e corrida, modalidades que ela mesma praticava. O objetivo era compreender diferentes concepções pessoais de saúde disseminadas nos diferentes tipos de treinamentos que existem no centro urbano e como essas concepções mudavam conforme a modalidade e o tempo de treinamento, a partir de entrevistas com praticantes.

Em 1989, começou a trabalhar como assistente de pesquisa no Cebrap, numa pesquisa de Luis Antonio Castro Santos sobre a reforma do sistema hemoterápico, que realiza tratamento de doenças através da transfusão de sangue e seus derivados. Na época, havia grandes discussões sobre a Aids, os cuidados na transfusão de sangue e o sistema de saúde, que acabara de ser criado na Constituição de 1988. “Comecei a conhecer mais o sistema público de saúde e me envolvi em debates sobre as vantagens e desvantagens do sistema público em relação ao privado, confiabilidade do setor público no fornecimento de sangue de boa qualidade e comercialização de sangue e órgãos”, relembra. Posteriormente, na Fundap (Fundação do Desenvolvimento Administrativo), participou de um projeto de avaliação na transição do Inamps para o SUS, em 1990, quando a descentralização tinha chegado até os estados, mas não até os municípios. “Esse trabalho me ajudou a entender melhor como funciona o sistema de saúde”, diz Vera.

Transplante e hemodiálise: alocação de recursos escassos

Foi com essa bagagem que Vera entrou para a equipe de Argelina Cheibub Figueiredo, pesquisadora do Cebrap, numa pesquisa comparativa internacional sobre como são tomadas as decisões acerca da divisão de recursos escassos. Ficou responsável pela questão do transplante, estudando os sistemas de transplantes em São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro, que posteriormente foram comparados com os sistemas francês, americano e norueguês. O grupo percebeu que os países usam critérios diferentes. Nos EUA o método é o mais formalizado, baseado em um sistema de pontuação. Já no Brasil era bem mais informal, sendo que cada equipe médica decidia sobre o destino do órgão, sendo feito posteriormente um esforço de formalização com o uso de listas de espera. Além disso, descobriram que a Noruega era o único país que transplantava quase todos os doentes renais crônicos.

No caso do transplante de rim, já havia no Brasil na época um consenso de que o transplante era a melhor opção para os doentes renais. Apesar disso, nos 20 anos anteriores a diálise foi o tratamento que mais cresceu. Compreender que mecanismos garantiam esse sistema foi o tema de sua tese de doutorado. Embora existissem interesses privados, crítica mais comum na época, esses interesses não tinham força pra garantir a dessimetria no crescimento dos serviços. “A própria estrutura do SUS é que estava gerando isso. O SUS divide seus procedimentos entre ambulatoriais e hospitalares, não havendo concorrência entre eles. Dessa forma, não se fazia mais transplante simplesmente porque se gasta menos com diálise”, explica Coelho.

Saúde e participação popular

As constatações da pesquisa confirmavam a crítica tanto de especialistas brasileiros quanto internacionais, de que no Brasil se deveria gastar menos com procedimentos de alta complexidade e mais com serviços básicos. Uma possível explicação para essa distorção era a influência dos médicos ligados às universidades, que tinham interesse em fazer pesquisa de ponta e de alta tecnologia. “Uma gama enorme de recursos ia para essa área, e áreas básicas ficavam desprotegidas. Durante muito tempo, essa foi a crítica do Ipea, do Banco Mundial e dos especialistas em saúde”, diz Vera.

Nesse contexto, havia um debate internacional sobre como criar canais políticos alternativos para discutir a distribuição de recursos. “Na prática, o processo é incremental, ou seja, as decisões vão sendo tomadas e distorções são corrigidas através de ajustes. Em alguns casos, no entanto, a sociedade julga que uma política não está correta e se torna necessária uma mudança maior”. Com essa questão em mente, começou uma pesquisa no IDS sobre formas de participação da sociedade em política e processos de mobilização, partindo dos conselhos de saúde como estudo de caso.

“Os conselhos são um fenômeno internacional que cresce em diversas áreas, embora ninguém saiba dizer ao certo se eles contribuem de fato para o sistema”, afirma Vera. Durante muito tempo, o desenho institucional (ou a forma de organização dessas arenas) foi o foco das pesquisas sobre o tema. Acreditava-se que quando o desenho não era bem feito, o conselho não funcionava. No entanto, pesquisas do IDS indicavam que um dos motivos da falta de resultado era a falta de maturidade política dos participantes. “Um exemplo disso ocorre em países como Índia ou Bangladesh, onde as mulheres têm uma cadeira garantida, mas não falam nada”, conta Vera. A influência do engajamento político na atuação dos conselheiros é um dos temas atuais de pesquisa (ver texto anterior).

Sobre a relação entre o pesquisador e o poder público, ela acredita que o pesquisador deve influenciar as políticas públicas. “A pesquisa deve ser capaz de gerar recomendações. É importante também um esforço para traduzir e comunicar os resultados da pesquisa para os gestores públicos. Mesmo que não seja possível dar uma fórmula, a pesquisa deve também expor a complexidade dos fenômenos estudados”, diz Vera.

 

LINKS

Deepening Democracies in States and Localities - IDS

Núcleo de pesquisa Cidadania e Desenvolvimento (Cebrap)

Currículo Lattes