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DiverCIDADE 19
abril-setembro 2009

SAÚDE - DOSSIÊ SUS

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Sistema do Brasil é mais próximo do inglês
Os desafios da relação público x privada do SUS

20 anos à frente: velhos e novos desafios

Descentralização, um princípio do SUS
Descentralização com foco em características regionais é saída, aponta pesquisador
Sistema de Saúde ainda convive com a falta de recursos
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Conselhos aproximam a população dos administradores

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Poder Judiciário e a Política de Medicamentos, por Fabiola Fanti

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‘Atendimento ao negro pelo SUS precisa avançar’

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Vera Schattan Coelho: Saúde e democracia junta
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Conselhos aproximam a população dos administradores

por Gilberto Stam

Estudo coordenado por Vera Schattan Coelho aponta atuação positiva dos conselhos de saúde, com produção de novas propostas e inclusão social; pesquisa avalia a influência do histórico de mobilização da região e propõe metodologia para avaliar a participação popular

Uma parcela pequena de brasileiros conhece seu funcionamento ou sequer sabe que eles existem. No entanto, os conselhos recebem mensalmente, em todo o Brasil, quase cem mil pessoas que de forma voluntária se prontificam a discutir a gestão da saúde. É um grupo heterogêneo que inclui, além dos gestores e prestadores de serviço, representantes de bairro e outras associações, donas de casa, lideranças locais, idosos, doentes e pessoas com baixa escolaridade, constituindo a mais ampla iniciativa de participação popular no país. Essas arenas representam um espaço onde a população pode discutir problemas do serviço e elaborar propostas que podem ser encaminhadas ao governo. Depois da universalização, os conselhos de saúde são talvez a segunda característica mais importante a conferir ao SUS caráter mais democrático.

Mas será que essas arenas estão realmente produzindo contribuições significativas para a gestão? Na opinião de muitos especialistas, a resposta é negativa. O problema é que o fenômeno da participação popular direta ainda é pouco estudado, de modo que muitas de suas avaliações parecem ser pautadas pelo preconceito. Os conselhos de saúde são comumente descritos como locais para reclamações e demandas pessoais, onde pouco se produz em termos de contribuições efetivas para a melhoria dos serviços. Outra crítica comum é a de que eles representam espaços de manipulação ocupados por partidos e grupos políticos.

Uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos da Metrópole em seis conselhos locais retratou uma realidade diferente, em São Paulo, entre 2006 e 2007. “O conselho não é um local onde cada um leva a sua ‘lista de compras’, mas uma arena onde acontece um debate político e de propostas, capaz de promover a aproximação de pessoas menos favorecidas com o Estado”, diz Vera Schattan Coelho, coordenadora da pesquisa. Prova disso foi o fato de que um dos temas mais discutidos – e mais polêmicos – foi a implementação das OS (organizações sociais), vista com resistência e tida por muitos como uma forma de privatização.

Propostas práticas para melhorar os serviços também foram elaboradas. Um exemplo veio de São Miguel e M’Boi Mirim, bairros nas franjas da cidade, nos quais se discutiu propostas para minimizar as faltas nas consultas médicas, sendo sugerido a oferta de transporte, divulgação da agenda de consulta nas unidades e contato por telefone com os pacientes. Além disso, em M’Boi Mirim foram feitos diversos estudos sobre medicamentos em falta, e em Parelheiros, onde não há hospital ou ambulatório de especialidades, foram elaboradas solicitações para ambos. Além disso, as reuniões focavam também demandas locais de infra-estrutura, como água ou segurança, bem como questões relativas à própria participação, como os procedimentos para eleição dos conselheiros e as reuniões.

Riscos da manipulação

Estabelecidos pelo SUS dentro da proposta de universalização e participação social, os conselhos foram inicialmente uma maneira concreta de trazer para a máquina administrativa as mobilizações na área da saúde que aconteceram na cidade de São Paulo a partir da década de 1970 – com destaque para o movimento sanitarista na Zona Leste, uma das regiões mais politicamente engajadas da cidade. Atualmente, além dos conselhos municipais, estaduais e federais, foram instituídos também em várias regiões metropolitanas os conselhos locais. Em São Paulo, existem conselhos em cada uma das 31 subprefeituras, muitas delas com pouco histórico de mobilização.

Um dos objetivos da pesquisa era avaliar a influência do histórico de mobilização local na atuação de conselhos. Áreas mais mobilizadas teriam conselhos mais atuantes? De fato, embora a manipulação política seja considerada um dos riscos desse tipo de arena, uma população engajada e com tradição de participação também é tida como pré-requisito para o sistema funcionar. Dessa forma, os resultados dos estudos do grupo de Vera Schattan apresentaram um caráter misto, indicando que a mobilização pode ser favorável ou não, dependendo do aspecto analisado.

A pesquisa apurou que conselhos localizados em bairros com maior histórico de mobilização apresentavam maior inclusão social – inclusive de pessoas com menor escolarização, mulheres e não-brancos – e um debate mais dinâmico, que promovia maior participação da população e com maior produção de propostas. Em contrapartida, nos conselhos com um histórico de mobilização mais fraco, há uma maior inclusão de mais tipos de associação e maior pluralidade política. Além disso, a barganha (ao invés da tentativa de convencimento com argumentos fundamentados) foi mais utilizada no primeiro grupo.

Os resultados foram obtidos a partir de uma análise de 6 conselhos locais, todos com índices semelhantes de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), 3 deles localizados em regiões com um histórico de mobilização para reivindicações na área da saúde, e os outros 3 sem essa trajetória. Para levantar o histórico de cada bairro a equipe contou com a colaboração de Carlos Neder, médico e deputado estadual pelo PT e com atuação nos movimentos de saúde desde a década de 1970.

Além da inclusão social, para avaliar a atuação dos conselhos, foram estabelecidos mais dois parâmetros: participação e conexões com o Executivo – no caso do município representado por prefeito, secretários e demais administradores municipais. Um ponto negativo na avaliação dos conselhos de forma geral foi a participação, que depende basicamente do desenho institucional, ou seja, da forma como o conselho é organizado. Poucos dos conselheiros levantavam questões ou mantinham o debate. No entanto, muitos conselheiros demonstraram ter conexões com o Executivo, o que pode facilitar a implementação de decisões e aumentar a influência dos conselhos.

Ainda não foi demonstrado se as contribuições dos conselhos contribuem de fato para a gestão ou se elas são sequer implementadas pelo Poder Executivo. Mas, para que um conselho possa dar uma contribuição efetiva, alguns cuidados são necessários. “O processo de seleção dos conselheiros deve ser divulgado, deve haver uma metodologia para melhorar a dinâmica das discussões, e as decisões devem ser inseridas no debate público através, por exemplo, da imprensa, para serem postas à prova pela sociedade”, recomenda Vera Schattan. A pesquisa inclui a elaboração de um documentário, que vai ilustrar o funcionamento dos conselhos.

Num estudo anterior, A Democratização dos Conselhos de Saúde a equipe de pesquisa do CEM já havia demonstrado que em 16 conselhos, num total de 31, apresentavam uma pluralidade significativa de participantes, incluindo movimentos sociais, associações de portadores de deficiência, grupos religiosos, associações de direitos civis, sindicatos e indivíduos sem vínculos associativos. Essa pluralidade seria uma condição fundamental para garantir uma representação legítima.

A Democratização dos Conselhos de Saúde, por Vera Schattan P. Coelho

http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=99